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Capítulo XXVII
O crente e o jejum
Alejandro G. Frank
Introdução
Começamos um novo capítulo do Sermão do Monte, ainda no
desdobramento dos princípios ensinados pelo Senhor Jesus no capítulo 6 de
Mateus. Em estudos anteriores vimos que Jesus apresentou um princípio geral, no
verso 1: “Guardai-vos de exercer a vossa
justiça diante dos homens, com o fim de serdes vistos por eles; doutra sorte,
não tereis galardão junto de vosso Pai celeste”. A partir desta advertência
em relação à falsa imagem de justiça e religião, aquela que busca a glória e o
reconhecimento dos homens e não de Deus, Jesus passa na sequência a desdobrar
tal ensino em diferentes aplicações práticas que abrangem três aspectos básicos
da vida. Já vimos duas delas: a primeira trata sobre como dar esmolas
glorificando a Deus e não a nós mesmos (versos 2 a 4) e, portanto, trata sobre
os aspectos materiais na vida religiosa; e a segunda trata sobre como orar
glorificando a Deus e não a nós mesmos (versos 5-14), o que alude aos aspectos
espirituais na vida religiosa.
Estamos agora frente a uma nova aplicação, a última das três
dadas por Jesus no Sermão do Monte. Esta nova aplicação trata sobre como fazer
jejum para glorificar a Deus e não a nós mesmos e, consequentemente, aborda o
aspecto físico do ser humano diante da vida religiosa. Vejamos o que nos diz
este ensino:
“Quando
jejuardes, não vos mostreis contristados como os hipócritas; porque desfiguram
o rosto com o fim de parecer aos homens que jejuam. Em verdade vos digo que
eles já receberam a recompensa. Tu, porém, quando jejuares, unge a cabeça e
lava o rosto, com o fim de não parecer aos homens que jejuas, e sim ao teu Pai,
em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará.” (Mateus 6.16-18)
Vemos novamente mais um exemplo de falsa aparência de
piedade e religião utilizada pelo homem hipócrita. O verdadeiro intuito dos
hipócritas com o jejum não era agradar a Deus, mas serem louvados diante dos
homens pela piedade com que realizavam esta prática. Mas Jesus se preocupou com
seus discípulos, para que estes aprendessem a prática correta que agrada a
Deus.
Atitudes negativas contra o jejum
O jejum é uma prática muito comum em praticamente todas as
religiões do mundo. Há religiões que são muito rigorosas com tais práticas e
guardam datas específicas do ano para realiza-las. Parece ser que o jejum é um
aspecto quase central e comum em todos os tipos de adorações do ser humano. Há
pessoas que o fazem para serem agradáveis a seus deuses, outras para pagar
votos de promessas, outras para alcançar perdão e outras podem fazê-lo para
serem respeitadas como piedosas diante dos homens, como no caso lido neste
texto. É por tal motivo que muitas vezes o jejum é desconsiderado e até
desprezado no meio evangélico. Todas essas confusões a respeito do jejum têm
gerado muitas vezes uma resistência a realizar esta prática. Já ouvi argumentos
de cristãos tais como “fazer jejum só
leva à loucura das pessoas, para que estas imaginem que vêm anjos e visões”,
ou “não há apoio nas epístolas para que
as igrejas dos gentios pratiquem o jejum, isto era somente uma prática judaica”.
Estes tipos de reações acredito que sejam influenciadas não apenas pelas
práticas de outras religiões, mas também por muitos excessos que aconteceram e
seguem acontecendo dentro do próprio seio do cristianismo. Por exemplo, na
idade média era muito comum algumas pessoas alucinarem e terem visões de
profecias totalmente contrárias às Escrituras. Muitas dessas visões eram
realmente fundadas em mentes místicas, somadas aos excessos da prática do
jejum. Também podemos ver algo similar até hoje em algumas linhas do
pentecostalismo. Porém, não podemos usar estes aspectos como base para a nossa
argumentação conta tal prática e a seguir explicarei o motivo.
Em primeiro lugar, quem estiver acompanhado nossos estudos
sobre o Sermão do Monte, poderá lembrar alguns princípios que já vimos que nos
impedem de reagir de tal maneira. O Evangelho de Jesus Cristo não é uma reação
negativa a todo vento de doutrina que encontramos por ai, em outras religiões.
Cristo veio nos ensinar a verdadeira religião. Ele veio nos trazer a mensagem
de boas novas. Portanto, o Evangelho não consiste em reações, mas em ações
concretas que busquem a glória de Deus. Se pensarmos desta maneira, a nossa
principal questão não será se o jejum é praticado por outras religiões que o
interpretam de maneira errada. A nossa principal questão será se o jejum é
realmente uma prática instruída por Deus e se ele realmente se agrada em que a
pratiquemos. Vejam que a mensagem do Evangelho nos leva a olhar para Cristo, de
maneira que entendamos a vontade do Pai. Isto nos liberta de muitos
preconceitos e entendimentos errados. É comum encontrar cristãos que constroem
sua teologia baseada no que há de errado por ai. O fundamentalismo distorcido
(não o movimento original) foi radicalmente contra as bebidas alcoólicas,
muitas vezes utilizando argumentos bíblicos para isto. O que eles fizeram foi
criar uma doutrina baseada nos aspectos negativos da sociedade. Havia grandes
problemas sociais em relação ao álcool nos Estados Unidos, porém, a Palavra de
Deus nunca condenou essas bebidas, apenas a embriaguez. Eles perderam o foco do
Evangelho, que visa o domínio próprio e que consequentemente é contra a
embriaguez, e construíram o ensinamento em base à situação social do momento.
Isto tem acontecido com as músicas, com as vestimentas e com muitas outras
coisas. O jejum não é uma exceção.
Em segundo lugar, explicamos várias vezes ao longo do estudo
do Sermão do Monte que os ensinamentos dados por Jesus são para seus discípulos
em todos os tempos. Eles contêm os aspectos essenciais para a vida cristã do
ser humano. Não é um tratado sobre aspectos meramente judaicos, mas um
ensinamento sobre como os discípulos de Cristo devem viver. Novamente aqui
temos um aspecto positivo ao invés de negativo: “quando jejuardes” (v.16a). Há
pessoas que entendem o Sermão do Monte como se este apenas fosse um ensinamento
para nos condenar, para nos mostrar quão longe estamos dos padrões de Cristo.
Se olharmos do ponto de vista negativo podemos afirmar que isto é verdade, não
discordo disso. Como seres humanos caídos, somos incapazes de vivermos uma vida
perfeitamente santa diante de Deus, senão não precisaríamos da graça diária de
Deus dada pelo sacrifício do seu Filho. Não obstante, o Sermão do Monte foi
primeiramente pregado para homens que creram em Jesus como sendo o Messias. Foi
dado a seus discípulos. Cremos que tais pessoas são as que foram regeneradas e
têm o auxílio e o poder do Espírito Santo para viver uma vida conforme a
vontade de Deus, mesmo que sendo imperfeitos. Nosso alvo é a santidade, e o
Sermão do Monte nosso instrutivo. Portanto, eu diria que o Sermão do Monte com
todos seus ensinamentos é uma mensagem do Evangelho para o homem sem Cristo,
para que este veja quão imperfeito e pecador é e que não consegue ser salvo por
suas próprias obras e, também, é uma mensagem do Evangelho para o homem com
Cristo, para que este veja como deve se conduzir e viver como cristão nesta
terra, sendo luz do mundo e sal da terra. Portanto, se o jejum foi dado neste
contexto, entendemos que ele é também para nós hoje.
Além disso, temos mais argumentos para dar àqueles que dizem
que o jejum é coisa do Antigo Testamento e dos judeus. Considere por exemplo o
texto de Marcos 2.18-20. Jesus foi questionado do por que seus discípulos não
jejuavam e os de João sim. Jesus lhes respondeu dizendo: “Dias virão, contudo,
em que lhes será tirado o noivo; e, nesse tempo, jejuarão”. Ele, Jesus, é o
noivo da sua igreja, a noiva. Ele diz que quando ele não estaria mais, seus
discípulos jejuariam. Por acaso se trata dos três dias em que ele esteve morto?
Acredito que seja mais natural entender o texto como sendo o tempo posterior, a
era da Igreja de Cristo, onde ele não está mais presente fisicamente. Esse
tempo inclui hoje, até a sua vinda em poder e glória. Ainda, temos também
relatos em Atos dos apóstolos dos primeiros discípulos jejuando. Por exemplo,
em Atos 13.1-4 eles estavam em continuo jejum e oração e quando tiveram uma
missão diante deles jejuaram mais uma vez ainda, sempre acompanhado de orações.
Tendo dito isto, agora buscaremos entender a questão do
jejum e a sua importância para nossas vidas cristãs.
Entendendo o jejum nos tempos bíblicos
Para entendermos como o Senhor espera que seus discípulos
pratiquem o jejum, primeiramente precisamos entender do que se trata o jejum.
Podemos dizer que em todos os casos bíblicos o jejum significa abstinência de
alimentos e, em alguns casos, abstinência total (inclusive líquidos). Em outros
casos se trata de abstinência de alimentos especiais ou deleitosos. Em todos os
casos, esta abstinência tem um propósito muito claro e especial: a dedicação
espiritual para se consagrar a Deus mediante a meditação e oração. Hoje
escutamos pessoas que dizem fazer jejum de assistir TV, jejum de vídeo games e
internet, jejum de atividades, etc. Acredito que seja muito bom pararmos de vez
em quando de muitas coisas que nos desconcentram ou que nos seguram quase como
um vício, mas isso não significa que estamos jejuando conforme o ensinamento
bíblico.
Na Bíblia encontramos muitos exemplos de jejum no sentido estrito
de abstinência de alimentos, sempre com um propósito bem claro e definido. Vejamos
alguns exemplos:
·
Ester 4.16 e Esdras 8.21-23: Jejum por pedido de
direção e graça de Deus para uma missão.
·
2 Samuel 12.16: Davi jejua pedindo misericórdia
de Deus pela vida do seu filho recém nascido.
·
2 Crónicas 20.2-3: Josafá jejua pedindo socorro
a Deus por causa dos seus inimigos.
·
Jeremias 36.7-8: É anunciado um jejum geral do
povo, para apregoar um arrependimento nacional, para preparar nesse
arrependimento às almas para buscarem a Deus e ouvirem a sua palavra por meio
da leitura da lei.
·
Neemias 1.3-6: Neemias jejua para interceder e
confessar os pecados do seu povo.
·
Lucas 2.36-38: Ana servia no templo por meio dos
jejuns e orações, para sua dedicação total à adoração a Deus.
Todavia, o maior exemplo de jejum, descrito na Palavra de
Deus, se encontra em Mateus 4.1-11. É o jejum de quarenta dias que Jesus fez no
deserto como preparação para o início do seu ministério. Foi um tempo de
preparação especial que Jesus teve que passar. Ele se preparou em jejum durante
todo esse tempo e no final chegou a prova, a tentação de Satanás. O jejum é
apresentado neste texto como elemento essencial da preparação de Cristo para
enfrentar a tentação e começar após isso seu difícil ministério.
Bem, mas considerando todos esses casos podemos nos
preguntar: qual é o propósito do jejum? Para que jejuar? Não era suficiente em
todos esses casos citados apenas a oração e meditação? Por que passar fome?
Acredito que a resposta mais clara a estes interrogantes esteja no texto de
Esdras 8.21-23: “Então, apregoei ali um
jejum junto ao rio Aava, para nos humilharmos perante o nosso Deus, para lhe
pedirmos jornada feliz para nós, para nossos filhos e para tudo o que era nosso”.
Esdras coloca claramente o propósito primário e o propósito final do jejum que
realizaram. O propósito final que eles tinham era pedir uma jornada feliz para
todos eles na viagem que tinham que realizar. Isso é o que eles queriam pedir a
Deus, o que eles esperavam receber graciosamente do Senhor. Ora, Esdras diz que
para isso eles jejuaram. Por que jejuaram? Ele diz: “para nos humilharmos perante o nosso Deus”, este era o propósito
primário do jejum e, através dele, eles esperavam alcançar o favor de Deus e
ter uma jornada feliz. Seguindo este texto podemos ver que o propósito do jejum
é a humilhação diante de Deus. Mediante o jejum reconhecimentos a nossa
dependência e miséria diante dEle. Não obstante, o jejum não tem o propósito de
manipular ao Senhor, nem garante que a nossa oração será atendida conforme
nossos desejos. Em 2.Samuel 12.15-25 podemos encontrar um bom exemplo disto.
Nesse texto vemos que o filho recém-nascido de Davi adoeceu gravemente. Davi
começou orar e jejuar pela vida da criança, mas o Senhor não lhe concedeu o
pedido de Davi e a criança morreu. Davi não pode torcer a decisão de Deus,
mesmo tendo orado e jejuado.
Uma segunda pergunta que pode surgir em base ao exposto é a
seguinte: Por que esta humilhação tem que vir por meio da abstinência dos
alimentos? Não é suficiente a oração? Já vimos no estudo sobre a oração que
esta também nos leva a nos humilharmos diante de Deus. Porém, deixem-me lhes
explicar melhor o porquê do jejum como humilhação especial: Jejum significa
abstinência de alimentos. O alimento é a essência da força humana. Através dos
alimentos temos as forças necessárias para empreendermos qualquer desafio.
Notem que quando Deus quis ensinar ao povo de Israel a dependerem dele, ele o
fez através do alimento, dando-lhes o Maná. O Maná, o alimento diário de Deus
para seu povo, era um símbolo da dependência de Deus na peregrinação pelo
deserto. Para o ser humano é humilhante depender de um Ser superior que lhe
providencie o sustento e assim Deus usou este método de ensino para seu povo
aprender a humildade e dependência. Assim sendo, vemos que o jejum nos leva a
um estado de fraqueza, pois ficamos sem o essencial para a vida. Por outro
lado, o jejum nos leva a um estado de fortaleza espiritual, pois nos aproxima
mais da presença de Deus, através da dependência dele. O jejum nos ajuda a lembrarmos
durante todo dia aquilo que estamos trazendo em oração diante de Deus. Também
nos enfraquece, de maneira que não tenhamos forças para o trabalho e atividades
rotineiras e, assim, possamos refletir mais sobre nós e nosso estado
espiritual. Observe um detalhe sobre esta última afirmação: o jejum envolve
sempre um estado meditativo, reflexivo. Sempre que vemos na Bíblia um homem ou
uma mulher jejuando, podemos vê-lo num estado de reflexão, de separação, de
oração e de humilhação. Não podemos encarar o jejum como uma atividade externa,
mecânica e prática. O jejum é um meio para nos aproximarmos a Deus e com tal
atitude devemos abordá-lo.
Outro propósito que podemos encontrar no jejum tem a ver com
a disciplina do ser humano como um todo. A Bíblia nos diz que o ser humano é
corpo, mente e espírito. O ser humano é uma unidade entre essas partes, embora
a tendência humana seja exaltar a matéria, o corpo. Neste caso, o jejum é uma
disciplina por meio da qual reduzimos esta parte da unidade do ser humano,
tornando-nos fisicamente fracos, e exaltando o espírito, por meio da meditação
e oração. Vemos isto na preparação para o ministério de
Jesus. Ele jejuou no deserto e passou fome, ficou fraco. O seu estado de
humilhação se tornava maior ainda, Satanás tentou usar este ponto tentando-o a
transformar as pedras em pão. Como é possível que o Deus encarnado esteja
passando fome? Esse era um dos argumentos de Satanás para tentar Jesus. Mas o
Senhor mostrou que a sua supremacia estava no Espírito e não na carne. A carne,
a fome, a fraqueza, foi controlada pelo Espírito e não o contrário. Totalmente
oposto ao que vemos no dia-a-dia: pessoas controladas pela carne, pelos
impulsos e desejos dos seus corpos. Portanto, o jejum nos ajuda a lembrar de
que “não só de pão viverá o homem, mas de
tudo que procede da boca do Senhor viverá o homem” (Deuteronômio 8.4).
O problema dos fariseus quanto ao jejum
No texto que estamos estudando vemos que mais uma vez os
hipócritas estavam utilizando um instrumento santo dado por Deus para a sua
adoração como um instrumento para a própria glória e honra deles. Este era o
problema dos fariseus. Eles queriam mostrar a religiosidade e espiritualidade
que tinham pelo fato de jejuarem. O costume que guardavam eles era de mostrar
seu jejum e eles faziam isto caminhando pelas ruas com suas vestes rasgadas e
com cinza sobre a cabeça, mostrando assim sua penitência. Mais do que isso, os
fariseus eram tão estritos e severos com esta prática que enquanto a Lei de
Moisés indicava que os judeus deveriam jejuar uma vez no ano, eles o faziam
duas vezes na semana! A religião do homem sem Deus pode ser muitas vezes muito
mais pesada, mas severa, mais exigente que qualquer adoração verdadeira a Deus.
Isto pode nos surpreender, pois muitas vezes acreditamos que não há nada mais
difícil do que vivermos como cristãos. Mas observe o rigor de vida que hoje
levam alguns monges budistas, por exemplo. Tenho certeza que em rigor e
disciplina externa eles são muito mais esforçados que qualquer outra pessoa.
Mas isso serve? Claro que não. O problema é que o ser humano muitas vezes está
disposto a carregar inúmeros esforços próprios, tais como os dois jejuns
semanais dos fariseus, por mero orgulho, para ser ele mesmo merecedor diante de
Deus. Os fariseus acreditavam que eles eram justos diante de Deus por esse
esforço e rigor nas suas vidas. Mas Jesus ensinou aqui que de nada serve um
rigor religioso carregado de orgulho próprio, de justiça própria, para
vanglória ao invés de ser para a glória de Deus.
Portanto, o problema todo não estava no jejum em si mesmo,
mas na atitude em que estes homens encaravam tal prática. Eles poderiam
praticar seus jejuns com o rosto lavado, sem transparecer como se fosse uma
prática difícil que somente santos especiais como eles poderiam ser capazes de
praticá-la. Atitudes similares encontramos até hoje nas igrejas. Pense em
pessoas, talvez em você mesmo, quando realiza algum trabalho na igreja e ao
invés de fazê-lo com alegria, o faz demonstrando que isso é um sacrifício para
você. Outros o vêm e pensam: “como é esforçado esse trabalho para o irmão, como
ele é fiel para suportar essa obra”. Nesse caso, você ou a pessoa que for está
roubando glória para si mesmo. Está caminhando, em um sentido figurado, com
panos rasgados e cinza sobre a cabeça, mostrando a todos o quão importante é o
esforço religioso que está realizando. Sempre que mostramos aos outros que nos
custa alguma coisa servirmos a Deus, que estamos abrindo mão de algo para
realizar a obra de Cristo, de certa forma criamos um meio para a admiração e
louvor dos homens. A atitude certa deveria ser a que nos ensinou Jesus em Lucas
17.10 quando disse que após fazermos o que nos for encomendado, deveríamos
dizer: “servos inúteis somos, pois apenas fizemos o que devíamos fazer”.
Mas também encontramos outro problema sobre o jejum já no
Israel do Antigo Testamento. Os judeus já tinham sido repreendidos por pensarem
que seriam ouvidos apenas por jejuar, eis aqui uma boa descrição de uma vida
religiosa vazia, apenas baseada em práticas externas:
“Clama a
plenos pulmões, não te detenhas, ergue a voz como a trombeta e anuncia ao meu
povo a sua transgressão e à casa de Jacó, os seus pecados. Mesmo neste estado,
ainda me procuram dia a dia, têm prazer em saber os meus caminhos; como povo
que pratica a justiça e não deixa o direito do seu Deus, perguntam-me pelos
direitos da justiça, têm prazer em se chegar a Deus, dizendo: Por que jejuamos
nós, e tu não atentas para isso? Por que afligimos a nossa alma, e tu não o
levas em conta? Eis que, no dia em que jejuais, cuidais dos vossos próprios
interesses e exigis que se faça todo o vosso trabalho. Eis que jejuais para
contendas e rixas e para ferirdes com punho iníquo; jejuando assim como hoje,
não se fará ouvir a vossa voz no alto. Seria este o jejum que escolhi, que o
homem um dia aflija a sua alma, incline a sua cabeça como o junco e estenda
debaixo de si pano de saco e cinza? Chamarias tu a isto jejum e dia aceitável
ao SENHOR? Porventura, não é este o jejum que escolhi: que soltes as ligaduras
da impiedade, desfaças as ataduras da servidão, deixes livres os oprimidos e
despedaces todo jugo? Porventura, não é
também que repartas o teu pão com o faminto, e recolhas em casa os pobres
desabrigados, e, se vires o nu, o cubras, e não te escondas do teu semelhante? Então,
romperá a tua luz como a alva, a tua cura brotará sem detença, a tua justiça
irá adiante de ti, e a glória do SENHOR será a tua retaguarda;.” (Isaias
58.1-8)
Eles jejuavam, buscavam ter um conhecimento teologicamente
correto, clamavam arrependimento, mas na prática nada vaziam. Não soltavam suas
ligaduras com o pecado, nem mostravam misericórdia com o próximo. Eles jejuavam
sem parar para refletir, apenas para que Deus os favorecesse em momentos
oportunos de necessidade. Tal forma de jejuar nunca agradou a Deus e foi sempre
repreendido por ele.
Jejuando da maneira correta
Finalmente chegamos ao aspecto positivo do ensinamento e
passaremos a considerar agora qual deve ser a atitude correta do cristão diante
da prática do jejum: “Tu, porém, quando
jejuares, unge a cabeça e lava o rosto, com o fim de não parecer aos homens que
jejuas, e sim ao teu Pai, em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te
recompensará.” (Mateus 6.17-18).
O princípio para a atitude com que devemos realizar esta
prática é o mesmo que para os outros exemplos que Jesus colocou anteriormente e
consiste em praticarmos o jejum para Deus e diante dele ao invés de fazermos
isto para os homens e diante dos homens. A nossa verdadeira preocupação tem que
estar em agradar a Deus, em adorar a Ele e em buscar a glória dele, não a
nossa. Se fizermos jejum, deve ser para clamar a Ele e não para sermos vistos
diante dos homens. Jesus nos exorta a usarmos a máxima discrição possível. Os
homens não precisam saber que nós jejuamos. O jejum não é uma atividade
religiosa pública e menos ainda é uma atividade para recebermos o louvor dos
outros.
Além disso, já vimos anteriormente o significado bíblico do
jejum. Em base a tal significado, facilmente podemos inferir alguns aspectos
para a prática do jejum. Primeiro, o jejum precisa ter um propósito claro, seja
de dedicação, de súplica, de intercessão, enfim, não pode ser um ato mecânico,
apenas uma rotina. Segundo, o verdadeiro jejum deve ser acompanhado de orações
e meditação. É para nos aproximarmos mais de Deus. Novamente isto implica em
que ele não pode ser um ato mecânico, pois é um instrumento de humilhação e
aproximação a Deus, não uma mera rotina. Terceiro, o jejum é para ser praticado
apenas quando somos movidos pelo Espírito Santo para fazê-lo e não pelo fato de
ser uma obrigação que devemos cumprir para atingir uma meta espiritual
preestabelecida. Isto implica, mais uma vez, que não se trata de uma ação
mecânica e rotineira.
Finalmente podemos dizer que jejuar implica nos esquecermos
de nós mesmos. Precisamente neste ponto estava o problema dos fariseus. Eles
jejuavam pensando em si mesmos, em como eram visto pelos homens quando
jejuavam. O jejum é uma forma de nos esvaziarmos das nossas próprias forças e
nos humilharmos diante de Deus e, consequentemente, é o Pai que está nos céus
que deve receber toda glória com este ato religioso. Não pense que você está
fazendo grande coisa quando jejua, apenas agradeça a Deus por ter essa
oportunidade e peça a Ele que o sustente durante a jornada de jejum de maneira
que ele tenha toda a centralidade da sua meditação, reflexão e oração.
Certamente o nosso Pai se agrada de tais adoradores, pois bem disse o nosso
Senhor Jesus: “e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará” (Mateus 6,18b).
Que o Senhor nos ajude
a vivermos de maneira agradável a Ele! Amém.
Parabéns pelo texto. Só quem jejuou sabe o efeito que isto tem sobre sua vida de oração. Só é importante lembrar que o jejum é uma prática de devoção voluntária e não um mandamento para a igreja e, portanto, não deve ser prescrito como uma prática NECESSÁRIA para a santificação, como alguns fazem. Aliás, mesmo na Velha Aliança, só havia um dia no ano em que os judeus tinham que jejuar, o dia da expiação.
ResponderExcluirOi Erico,
Excluirsim, concordo plenamente. Espero não ter passado no texto a ideia de ser algo obrigatório, pois cairíamos em uma atitude muito similar à dos fariseus. Tentei explicar a questão de não ser obrigatório no terceiro parágrafo da última seção, como por ex. aqui: "...o jejum é para ser praticado apenas quando somos movidos pelo Espírito Santo para fazê-lo e não pelo fato de ser uma obrigação que devemos cumprir para atingir uma meta espiritual preestabelecida..."
A minha motivação ao escrever foi mais pensando no outro lado, sobre quanto tem se deixado do lado uma prática realmente abençoadora para a vida de oração.
Grande abraço e obrigado pelos teus comentários sempre tão proveitosos!