Capítulo XXV
O crente e a oração
Alejandro G. Frank
Introdução
Há dois estudos atrás (Estudo 1; Estudo 2) começamos a tratar um dos princípios
ensinados no Sermão do Monte, apresentado no verso 6.1: “Guardai-vos de exercer a vossa justiça diante dos homens, com o fim de
serdes vistos por eles; doutra sorte, não tereis galardão junto de vosso Pai
celeste” (Mateus 6.1). Vimos que esse princípio se desdobra, nos versos
sucessivos, em diferentes aplicações práticas de como o crente deve praticar a
verdadeira justiça na vida diária. No último estudo vimos uma delas: o problema
das obras da caridade ser utilizadas pela falsa religiosidade como um meio para
receber a glória dos homens ao invés desta ser usada como um meio de
praticarmos a justiça diante de Deus.
No estudo de hoje trataremos um segundo ponto que discorre
sobre a atitude do crente com a prática da justiça. Este segundo ponto também é
uma exemplificação dada por Jesus a respeito do princípio geral do verso 6.1.
No estudo anterior vimos que Jesus começou pela prática da justiça através dos
aspectos materiais por ser um dos maiores meios que o ser humano utiliza para
seu próprio benefício, isto é, para ser louvado pelos homens e alcançar o poder
também no meio religioso. Agora o Senhor Jesus passa a tratar um segundo
aspecto, igual ou até mais relevante do que o primeiro, na vida religiosa: a
oração. Vejamos o que ele disse a respeito:
“E, quando
orardes, não sereis como os hipócritas; porque gostam de orar em pé nas
sinagogas e nos cantos das praças, para serem vistos dos homens. Em verdade vos
digo que eles já receberam a recompensa. Tu, porém, quando orares, entra no teu
quarto e, fechada a porta, orarás a teu Pai, que está em secreto; e teu Pai, que
vê em secreto, te recompensará. E, orando, não useis de vãs repetições, como os
gentios; porque presumem que pelo seu muito falar serão ouvidos. Não vos
assemelheis, pois, a eles; porque Deus, o vosso Pai, sabe o de que tendes
necessidade, antes que lho peçais.” (Mateus 6.5-8)
O tema aqui tratado, a oração, foi e sempre será um grande
problema na vida do homem. É um problema muito atual na Igreja. Talvez hoje não
seja tanto o problema de orar da maneira errada, mas a falta de oração que a
igreja evangélica moderna enfrenta. Os membros já não dão a importância que
merece esta questão. Além disso, isto se agrava com a situação do contexto onde
vivemos. Problemas como o déficit de atenção são característicos de nossos
tempos e certamente afetam também à vida de oração. É difícil nos
desconectarmos da mídia, internet, celular, televisão, computador, etc., etc.
Já quase não há espaço para o exercício contemplativo por meio da oração.
Portanto, temos um grande desafio para vencermos tais barreiras, uma vez que o
Senhor Jesus apresenta aqui a oração como uma necessidade da vida do crente.
Por outro lado, este texto aborda também a profundeza do
pecado do homem, pois mostra como ele nos acompanha até as portas do céu. Muitas
vezes consideramos pecado apenas as forma de ações como “faço isto ou faço
aquilo que não condiz com a conduta cristã”, mas o texto em consideração nos
mostra que podemos estar pecando inclusive por meio dos instrumentos mais
santos que Deus nos dá para adorá-lo. Como bem disse Lloyd-Jones, é nos homens
santos e ajoelhados que vemos o alcance e a profundeza das tentações e do
pecado na vida do homem, pois até na oração podemos ser tentados para
utilizá-la para nossa própria glória. O pecado é um câncer, ele se espalha, ele
tenta se infiltrar como o água que transborda e permeia qualquer fissura que
encontra, ele é capaz de nos perseguir até a presença de Deus nas nossas
orações, de maneira que tiremos toda a glória dEle e foquemos toda a atenção em
nós mesmos. Por isso este aspecto é tão grave e tem tão severas advertências de
Jesus. Observe a tamanha importância que Jesus dá a este aspecto, veja a
extensão do assunto da oração (versos 5 a 14) se comparado com o assunto
anterior das esmolas (versos 2 a 4), ou com o assunto posterior do jejum (versos
16 a 18). Somente na oração Jesus se deteve nos detalhes.
No decorrer deste capítulo veremos quais as advertências,
quais os problemas das atitudes erradas diante da oração e qual é o ensinamento
positivo para nossas vidas que o Senhor nos deixou nesta porção do Sermão do
Monte.
A atitude dos hipócritas
Consideremos primeiro o aspecto negativo colocado pelo
Senhor Jesus, quando ele confronta uma atitude errada em relação à oração:
“E, quando
orardes, não sereis como os hipócritas; porque gostam de orar em pé nas
sinagogas e nos cantos das praças, para serem vistos dos homens. Em verdade vos
digo que eles já receberam a recompensa.” (Mateus 6.5).
Depois ele continua:
“E, orando,
não useis de vãs repetições, como os gentios; porque presumem que pelo seu muito
falar serão ouvidos.” (Mateus 6.7)
Notem que Jesus começa dizendo “quando orardes” (verso 5).
Quando orardes, não sejas como eles, disse Ele. Ora isto significa que o
confronto que encontramos neste texto não está dirigido à oração em si, mas à
forma e atitude que temos no momento de orar. O fato de Jesus iniciar a sua
advertência dizendo “quando orardes”, implica em que ele assume que seus
discípulos oram como uma prática rotineira, contínua. O nosso Senhor foi um
homem de profunda e constante oração. Lucas nos conta no seu evangelho (Lucas
18.1) que ele encorajou seus discípulos a “orar sempre e nunca esmorecer”. O
apóstolo Paulo ainda reforçou também a necessidade da oração constante aos
crentes em Tessalônica com as palavras: “orai sem cessar...” (1Tessalonicenses
5.17). A oração é uma marca do crente, pois é o canal de comunicação do cristão
com seu Deus. É através da oração que chegamos diante do trono de Deus para
buscarmos a sua graça, o seu perdão, a sua benevolência e as suas bençãos.
Portanto, não temos desculpa para não orarmos. A Bíblia nos exorta a
exercitarmos a oração e o próprio Senhor Jesus nos traz neste ensinamento
importantes princípios para a vida de oração.
Como já dissemos anteriormente, o problema colocado aqui é a
atitude que podemos tomar diante da prática da justiça por meio da oração.
Neste sentido, duas atitudes erradas são destacadas por Jesus nos versos que
lemos: a) a vanglória (verso 5); e b) as vãs repetições (verso 7). Vejamos esse
dois aspectos a seguir.
a) A vanglória na oração
O primeiro problema dos fariseus e escribas hipócritas é que
eles amavam orar na sinagoga e em pé, para serem vistos por todos, como diz o
verso 5. Além disso, outros textos dos evangelhos nos contam que já no caminho
eles paravam nas esquinas públicas para orar a Deus com o intuito de serem
vistos pelos homens. Eles amavam orar porque esta prática lhes permitia exibir-se
diante dos homens. É interessante que os relatos bíblicos nunca apresentam os
fariseus como homens ajoelhados e humilhados em oração. O que vemos nesses
relatos são homens em pé e cheios de orgulho quando oravam. Vemos um claro
contraste entre a atitude destes homens e os verdadeiros adoradores na parábola
contada por Jesus em Lucas 18.9-14:
“Dois
homens subiram ao templo com o propósito de orar: um, fariseu, e o outro,
publicano. O fariseu, posto em pé, orava de si para si mesmo, desta forma: Ó
Deus, graças te dou porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos
e adúlteros, nem ainda como este publicano; jejuo duas vezes por semana e dou o
dízimo de tudo quanto ganho. O publicano, estando em pé, longe, não ousava nem
ainda levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: Ó Deus, sê
propício a mim, pecador!” (Lucas 18.10-13)
O Senhor Jesus concluiu essa parábola dizendo que o
publicano voltou justificado e não o fariseu. O fariseu estava cheio de
orgulho, em pé, alçando os olhos a Deus, já o publicano nem ousava levantar o
olhar. Não quero dizer com isto que sempre devemos orar ajoelhados, nem que
sempre devemos orar com um espírito quebrantado. Acho bom sim, e acho que hoje
em dia isto é uma das coisas que mais falta na vida dos crentes: uma verdadeira
humilhação diante da face de Deus em oração. Porém, sei que muitas vezes
podemos estar orando na igreja ou em casa, por exemplo, em pé, ou mesmo
sentados. Também podemos estar orando com alegria, com gratidão. Isto também é
necessário. O problema é que esses hipócritas não queriam se humilharem, eles
achavam desnecessário. Eles acreditavam que a oração era um meio pelo qual eles
aperfeiçoavam sua justiça e assim eles se tornavam merecedores da graça de
Deus. Esta justiça própria era de tal importância para eles que a queriam
exibir como um troféu diante da sociedade. Portanto, o ensinamento que
encontramos aqui é que o mal está em orar para meu próprio interesse diante dos
homens.
Agora, você como cristão pode pensar que isto é trivial, é
muito claro que não se deve orar assim. Mas deixe-me lhe dizer que não
necessariamente é algo muito visível. Há maneiras muito sutis de nos
vangloriarmos por meio da oração. Considere, por exemplo, o tipo de crente que
gosta ser conhecido como um homem ou mulher de oração na sua Igreja.
Incialmente pode nos parecer uma atitude positiva e louvável tal característica
da pessoa. Contudo, conforme o ensinamento que encontramos neste trecho do
Sermão do Monte, não é este um tipo de característica que deveria ser muito
patente aos olhos de terceiros. É algo que deveria ser apenas entre o Pai e
você. Quando falo de pessoas de oração da igreja refiro-me àqueles que se fazem
notar por meio de longas orações, talvez com intensas lágrimas. Certa vez
conheci uma pessoa que sempre que orava em público chorava. As primeiras vezes
parecia algo muito piedoso, mas lentamente, após tantas orações escutadas,
comecei notar uma regra e ordem na estrutura da sua oração, e o choro chegava
sempre no mesmo momento dessa sequência. Não sou ninguém para julgar se isso
era genuíno ou não, mas tal atitude pode se tornar repreensível se for feita
mecanicamente. Também há pessoas que gostam de falar reiteradas vezes de como
elas têm vencido desafios e problemas mediante a oração. Se isto for como
testemunho daquilo que Deus fez por na vida deles devemos nos alegrar
juntamente com eles. Porém, refiro-me àqueles que, mediante esses testemunhos,
ficam diante da Igreja como heróis da oração, como aqueles que são modelos de
oradores para a igreja.
Há situações da vida muito mais sutis ainda. Por exemplo: o
que pensamos sobre nós mesmos quando estamos sozinhos no quarto orando e outros
estão fora sabendo disso? Falo àqueles que moram com outras pessoas, sejam os
cônjuges, filhos, pais ou irmãos. Qual é o nosso sentimento diante deles no
momento que estamos orando no nosso quarto. Será que não há em nós um desejo de
que os outros saibam que estamos sendo piedosos na oração pessoal? Outro
problema que vejo são aquelas pessoas que se orgulham pelo “tempo” que eles
oram por dia. Será que a quantidade de tempo que oramos não poderia ser um
motivo de orgulho também? Acredito que hoje em dia tenhamos mais problema com o
pouco tempo de oração ao invés do que com o muito tempo, mas se você consegue
ser uma pessoa disciplinada nesta área, qual é seu sentimento diante dos outros
que são mais frágeis neste aspecto?
Permitam-me citar mais um exemplo: conheço outro tipo de
problema com a vanglória na oração. Trata-se das pessoas que utilizam a oração
pública para exercer influência sobre os ouvintes ao invés de focalizarem esse
momento em Deus unicamente. São pessoas que quando oram parece que estão
pregando aos ouvintes, não que estão orando elas mesmas a Deus. O problema
tanto desta atitude como de todas as outras mencionadas é que quando oramos,
toda a nossa atenção e interesse devem estar focados no receptor das nossas
orações, isto é, em Deus o Pai. A oração, seja pública ou privada deve ser para
glorificar a Deus e para nos humilharmos diante dEle. Qualquer outro foco nas
pessoas do nosso lado, por mais bem intencionado que seja, perde o alvo do
verdadeiro propósito da oração.
Diante destas colocações pode surgir uma dúvida com a qual
eu mesmo me deparei algumas vezes. Vou lhes dar um exemplo bem prático. Algumas
vezes quando eu ia almoçar no restaurante da universidade junto com colegas não
cristãos ficava com uma dúvida: devo orar ou não na frente deles? Se eu orar,
não estarei me vangloriando? Se eu não orar, não estarei me envergonhando? É o
dilema vangloria versus vergonha. Posso ocultar um destas duas atitudes por
trás de orar ou deixar de orar na frente desses colegas? Acredito que não haja
uma resposta única para todas as pessoas. Temos que olhar o que temos em nosso
interior. Posso lhes dizer que eu, particularmente, sempre optei por orar se o
ambiente for propício para isso, pois conheço a minha fraqueza e sei que a
minha maior tentação é em me envergonhar em orar diante desses colegas.
Portanto, no meu caso, eu devo me esforçar para não cair no pecado da vergonha
do evangelho. Mas se houver outra pessoa que se sentir orgulhosa por orar na
frente de pessoas incrédulas, seria melhor enfrentar tal pecado sendo discreto
na oração. É uma questão de contexto que demanda muito bom senso.
b) As vãs repetições na oração
Uma segunda atitude errada diante da oração é a que Jesus
destaca no verso 7: as vãs repetições. Note que não se trata de qualquer tipo
de repetição que é condenada. Por exemplo, o nosso Senhor orou no Getsemani
antes da sua morte repetindo a mesma frase por três vezes. Vemos as orações dos
salmistas que também em muitos casos são compostas por repetições de lamentos.
Paulo fez três vezes a mesma petição ao Senhor, que lhe tirasse o espinho da
sua carne. Então, não é qualquer tipo de repetições que trata este texto.
As vãs repetições neste texto referem-se a frases ensaiadas
e decoradas. Algo similar ao que acontece no cristianismo de hoje quando ao
invés da oração se fazem rezas, substituindo a comunicação com o Pai por frases
decoradas. Mais adiante nesta série de estudos no Sermão do Monte veremos a
oração modelo do Pai Nosso. Este é um típico caso que hoje se utiliza para
rezar. Porém, esta oração tinha sido dada pelo Senhor Jesus como modelo, como
instrumento de ensino e não como um fim em si mesmo. Uma característica
impressionante dos salmos bíblicos, um livro repleto de orações, é a
simplicidade da comunicação do salmista com seu Deus, de uma maneira natural e
espontânea. Não quero dizer que é errado usar o Pai nosso ou algum salmo como a
nossa oração, mas mesmo nesses casos devemos fazê-lo com uma profunda meditação
daquilo que estamos orando, senão, corremos o risco de agirmos como esses
hipócritas, que transformaram suas orações vãs repetições usadas para
impressionar aos homens.
Além disso, existem outros tipos de vãs repetições mais
sutis do que as rezas. Uma vã repetição pode ser uma falsa promessa que fazemos
a Deus como condição para que algo aconteça. Refiro-me a essas promessas e
penitências que as pessoas fazem para alcançar o favor de Deus. Já viram
pessoas que prometem deixar algum vício ou que prometem caminhar de joelhos até
um determinado lugar, ou coisas semelhantes, se Deus responder ao pedido delas?
Isto é uma vã repetição, uma promessa a Deus sem sentido. Primeiro porque o
abandono do pecado não deveria estar fundado em uma promessa nem menos ainda em
um resultado esperado, mas no arrependimento. Além disso, é vã porque somos
incapazes de cumprir qualquer coisa e Deus não precisa de condições. Ele não é
homem para que nós o coloquemos condições nem é um ídolo pagão para que precise
trocas de bênçãos por adoração.
Outra forma de vã repetição são as argumentações que
utilizamos nas orações para convencê-lo dos nossos desejos. Deus não precisa de
argumentos humanos, ele não é homem para ser convencido. Tais orações são apenas vãs repetições. Há
também “orações relatório” feitas a Deus que são vãs repetições. Falo daquelas
pessoas que chegam a Deus com uma decisão já tomada e estão completamente
decidas a cumpri-la. Parece inacreditável, mas já ouvi pessoas com esta atitude
e certamente isto é uma vã repetição, pois Deus não é um súbdito que precisa
saber o que faremos, somos nós que precisamos saber dEle o que fazer!
Uma última forma errada de oração pode ser as que são
excessivamente longas. O problema não está no fato da oração ser longa, pois os
evangelhos nos contam que o Senhor Jesus, em muitas ocasiões, orava a noite
inteira. O problema deste tipo de orações está em querer manipular a Deus pela
insistência e persistência. Sobre isto gostaria de me deter um pouco para
meditarmos juntos. Vejamos o seguinte: há uma tendência no meio evangélico de
ver a Deus como um servo que responde positivamente a qualquer coisa que
peçamos. Basta insistir, persistir e ter muita fé. Quando algo não for atendido
positivamente é porque faltou ter mais fé. Nestes casos a soberania de Deus é
esquecida. Deus é tratado como um servo nosso que responde a qualquer demanda, em
vez de ser considerado o todo soberano rei do universo ao qual chegamos
implorando e suplicando seu favor. A respeito disto, há uma frase cliché que
diz: “a oração muda as coisas” e que tem sido muito mal usada. Não é a oração
que muda as coisas. É Deus que muda as coisas. Através da oração podemos apenas
alcançar seu favor, mas, somente se assim aprouver a Ele. Eis aqui o ponto em
questão: sempre é conforme a vontade dEle e não a nossa. É uma vã repetição
ficar insistindo um pedido e crer que Deus tem que atender positivamente a tal
pedido. Muitas vezes, ao invés de Deus mudar a situação que é o alvo do nosso
pedido, Ele muda a nós mesmos para sermos capazes de suportar tal situação.
Lembra a oração de Paulo? Em 2 Coríntios 12 ele nos conta que orou até três
vezes pedindo a Deus que tirasse o espinho na carne. Qual foi a resposta de
Deus? A resposta foi: “a minha graça te
basta, porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza” (2 Coríntios 12.9). Deus
disse não ao pedido de Paulo, a Sua graça era suficiente para Paulo e a
fraqueza na vida de Paulo permitia que se manifestasse o poder de Deus que o
sustentava. Lembre: Deus pode dizer não a um pedido nosso. Então, é melhor orar
como Jesus: “Pai, se queres, passa de mim
este cálice; contudo, não se faça a minha vontade, e sim a tua” (Lucas
22.42).
Todos os exemplos que coloquei acima são exemplos do que
faziam os gentios da época de Jesus. É por isso que Ele disse: “não useis de vãs repetições, como os
gentios; porque presumem que pelo seu muito falar serão ouvidos.” (Mateus 6.7).
O Senhor Jesus está falando de gentios que eram pagãos e, como tais, adoravam a
ídolos feitos pelas mãos humanas. Observem os deuses da mitologia grega ou
romana. Esses deuses são imagens do homem. Eles eram semideuses. Na mitologia
havia disputas, ciúmes e invejas entre os deuses como entre qualquer ser
humano. Por serem semelhantes aos homens, seus adoradores agiam como quem
tratasse com um ser humano, pois se preocupavam em repetir as súplicas, em argumentar
e convencê-los. Lembre o exemplo bíblico de Elias contra os profetas de Baal (1
Reis 18). Enquanto Elias esperava o tempo certo para orar a Deus e receber uma
resposta, os profetas de Baal gritavam para serem ouvidos por seu ídolo e
faziam sacrifícios, esforçando-se com vãs repetições para serem atendidos por
ele.
O ensinamento de Jesus para a vida de oração
A mensagem do Evangelho significa boas novas, boas notícias
para o homem perdido. Por conseguinte, nenhum ensinamento bíblico foca apenas
no aspecto negativo. A Palavra de Deus é instrutiva para nossa vida, de maneira
positiva. Ela nos adverte, mas também nos instrui. Este caso não é a exceção.
Jesus advertiu e logo ensinou a forma correta de procedermos na oração. Ele
passa a instruir como se deve agir quando formos orar:
“Tu, porém,
quando orares, entra no teu quarto e, fechada a porta, orarás a teu Pai, que
está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará. [...] Não vos
assemelheis, pois, a eles; porque Deus, o vosso Pai, sabe o de que tendes
necessidade, antes que lho peçais.” (Mateus 6.6,8)
Poderíamos dividir esta instrução nas seguintes etapas que
veremos a seguir: a) o processo de exclusão; b) a percepção; e c) a confiança.
a) O processo de exclusão
Observem que a instrução para orarmos começa com uma
exclusão, um afastamento de todas as coisas e de todas as pessoas para estarmos
sós com Deus. Lemos em Gêneses 24.2 que Isaque se retirava a meditar ao campo;
Mateus 14.22-23 nos mostra ao Senhor Jesus se afastando das multidões para orar
sozinho; em Atos 10.9 lemos que Pedro também se retirou ao telhado para orar.
Temos muitos exemplos bíblicos onde os servos de Deus buscavam comunhão com Ele
a sós. A exclusão é essencial para uma vida de oração.
Nesses momentos a sós com Deus precisamos esquecer tudo o
que está ao nosso redor. Precisamos “desligar-nos” do que acontece e de coisas
que podem nos interromper. Não interprete isto como o tipo de meditação hindu,
onde a pessoa tem que chegar a um estado de inconsciência. Muito pelo
contrário, nesse momento precisamos ter consciência absoluta daquilo que
estamos fazendo e dizendo, pois estamos em um momento de intimidade com Deus.
Também não significa que vamos esquecer nossos problemas, pois muitas vezes é
através da oração que trazemos diante de Deus esses problemas para suplicar a
ajuda divina. O que estou dizendo é que este é o momento de exclusividade de
Deus. Significa que as coisas vãs desta vida se tornam secundárias e somente
vem a toa quando queremos trazê-las em oração
como pedidos ou agradecimentos a Deus. No momento de oração eu não deveria
estar preocupado em como resolver um problema do trabalho ou qual será o
cardápio da janta desta noite. Nesse momento a vida espiritual se deve tornar
primária. A preocupação com minha alma e com a glória de Deus.
Portanto, é contra o problema de desconcentração que estamos
lutando nesse momento. Este é um terrível mal de nossos dias, a dificuldade de
nos concentrarmos para qualquer atividade, quanto mais ainda para a oração. Para
o homem moderno, a exclusão não significa apenas entrar no seu quarto sozinho.
Em nossos dias o isolamento implica também em desligar o celular, computador,
telefone fixo, TV, e qualquer coisa que possa nos atrapalhar nesse momento tão
precioso para nossa alma.
Ora, o que temos visto aqui não exclui as orações públicas.
Não é errado orarmos em certas ocasiões em público. Há vários exemplos bíblicos
de irmãos orando juntos, como em Atos 4.23-31. O Senhor Jesus também orou em
público, como na oração sacerdotal de João 17. Mas nesses momentos também
precisamos nos excluir, não literalmente, mas mentalmente. A nossa oração,
mesmo que seja pública, deve estar dirigida a Deus e não aos ouvintes. Nossa
atenção é para Ele e não naquilo para o agrado dos demais presentes.
b) A percepção
O segundo ponto colocado por Jesus é este: “orarás a teu
Pai”. Esta frase tão curta contém uma profundidade enorme. Não é a qualquer um
que estamos orando, mas ao Pai. Precisamos perceber que estamos diante da
presença do Deus Pai Todo-poderoso, criador dos céus e da terra, dono do
universo e todo-soberano. Não é brincadeira. Particularmente, tenho muita
dificuldade de entender aqueles que oram com um jeito todo descolado e
irreverente. Eles argumentam que temos que quebrar aquele conceito da idade
média de um Deus severo. Entendo a preocupação deles, mas acredito que estejam
usando o método equivocado para isso. Não encontro sequer um exemplo bíblico de
tal atitude por parte dos servos mais fieis a Deus e que caminharam com uma intimidade
muito mais profunda do que a nossa. Pelo contrário, todos eles, mesmo tratando
Deus de Pai, sempre mostraram uma profunda reverência à santidade do Santo dos
santos. Portanto, precisamos entender diante de quem estamos nesse momento tão
precioso. Muitas vezes, é necessário antes de começarmos a orar relaxar uns
segundos em reflexão, lembrando o que estamos por fazer e diante de Quem
estamos por nos apresentar.
Por outro lado, também devemos notar que oraremos “ao Pai”.
Os judeus não estavam acostumados a tratar Deus com tal intimidade de maneira
de chama-lo de Pai. Mas fomos adotados por meio do seu Espírito Santo, de
maneira que clamamos “Aba Pai”. Esta expressão usada por Paulo em Romanos 8.15
é um termo aramaico informal para pai que transmite um sentido de intimidade. É
para esse Pai que estamos orando. Consequentemente, podemos falar com Ele com
sinceridade e simplicidade. Podemos ter nEle confiança e contar-lhe todas as
nossas preocupações. Podemos manifestar-lhe todo o nosso amor e gratidão. Quer
dizer que podemos trata-lo como a um verdadeiro pai, com todo o nosso amor e
toda a nossa reverência e respeito.
c) A confiança
O último ponto que Jesus coloca é a confiança que podemos
ter no Pai quando oramos a Ele: “e teu
Pai, que vê em secreto, te recompensará” e “o vosso Pai, sabe o de que tendes necessidade, antes que lho peçais”. Ele nos vê e nos ouve. E ele se agrada
em nos responder. A nossa confiança é esta: saber que ele está presente, que
ele nos vê em secreto e que ele sabe o que precisamos antes que lhe peçamos. Ele
nos ama e quer nos dar o melhor. Esta é uma grande confiança para o cristão,
mesmo no meio dos sofrimentos.
Ora, para que devemos orar se ele já sabe tudo antes de que
peçamos? A.W.Pink[1]
coloca vários motivos para a oração diante da soberania de Deus. Esses pontos
são: 1) A oração é em primeiro lugar para que Ele seja honrado, adorado e
glorificado, não para os nossos pedidos; 2) A oração é para que sejamos
humilhados e aprendamos a depender de Deus. É como um pai terreno que sabe o
que seu filho precisa, mas espera que este o peça para que aprenda a valorozar
o recebido e também para que aprenda a ser respeitoso e humilde. Os incrédulos
não se agradam com a ideia de termos que depender de um Deus em todas as coisas
e de termos que pedir cada coisa a um Deus como se ainda fossemos crianças. Mas
o cristão tem prazer em fazê-lo, pois é nisso que descansamos, em saber que
tudo recebemos dEle e que ele conhece todas as nossas necessidades. Não
dependemos dos nossos próprios esforços, mas das dádivas do Pai. Isto implica
no último ponto: 3) A oração é para que nos deleitemos nEle. Você já não se
alegrou em ver uma oração sua respondida, uma necessidade atendida, uma benção
recebida? Isso produz deleite e prazer no coração do cristão.
Então, não esqueçamos que além dessas benções que podemos
receber já no fato de estarmos orando, a Palavra nos diz que “teu Pai que está
em secreto te recompensará”. Deus se agrada daqueles que o buscam em secreto,
longe da glória deste mundo, longe dos olhos dos demais. Ele se agrada nisso e
recompensará o crente que viver uma vida de oração silenciosa e secreta diante
do Pai.
Considerações finais
Após todas estas considerações práticas baseadas nas
instruções de Jesus pouco nos resta para dizer. Na verdade apenas nos resta uma
profunda autoavaliação sincera e nos perguntarmos: como tem sido a minha vida
de oração? Tenho buscado a glória dos homens através das minhas orações? Tenho
sido descuidado com minha vida de oração? Tenho comunicação com Deus em oração?
Sou salvo em Cristo para poder orar a Deus e tratá-lo como Pai? A minha oração
pode ser recebida diante de Deus pela obra de Cristo na cruz por mim?
Se alguma dessas perguntas tiver uma resposta negativa,
considere aquilo que foi dito aqui e arrependa-se. Venha a Cristo, tome a sua
cruz e siga-o. Somente nEle podemos ter acesso ao Pai e trata-lo com carinho,
dizendo “Aba Pai”! Que Deus nos abençoe!