sábado, 23 de fevereiro de 2013

Sermão do Monte XXV: O crente e a oração (Mateus 6.5-6)

Para visualizar este estudo em pdf, clique aqui.


Capítulo XXV

O crente e a oração

 

Alejandro G. Frank

Introdução

Há dois estudos atrás (Estudo 1; Estudo 2) começamos a tratar um dos princípios ensinados no Sermão do Monte, apresentado no verso 6.1: “Guardai-vos de exercer a vossa justiça diante dos homens, com o fim de serdes vistos por eles; doutra sorte, não tereis galardão junto de vosso Pai celeste” (Mateus 6.1). Vimos que esse princípio se desdobra, nos versos sucessivos, em diferentes aplicações práticas de como o crente deve praticar a verdadeira justiça na vida diária. No último estudo vimos uma delas: o problema das obras da caridade ser utilizadas pela falsa religiosidade como um meio para receber a glória dos homens ao invés desta ser usada como um meio de praticarmos a justiça diante de Deus.
No estudo de hoje trataremos um segundo ponto que discorre sobre a atitude do crente com a prática da justiça. Este segundo ponto também é uma exemplificação dada por Jesus a respeito do princípio geral do verso 6.1. No estudo anterior vimos que Jesus começou pela prática da justiça através dos aspectos materiais por ser um dos maiores meios que o ser humano utiliza para seu próprio benefício, isto é, para ser louvado pelos homens e alcançar o poder também no meio religioso. Agora o Senhor Jesus passa a tratar um segundo aspecto, igual ou até mais relevante do que o primeiro, na vida religiosa: a oração. Vejamos o que ele disse a respeito:
“E, quando orardes, não sereis como os hipócritas; porque gostam de orar em pé nas sinagogas e nos cantos das praças, para serem vistos dos homens. Em verdade vos digo que eles já receberam a recompensa. Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto e, fechada a porta, orarás a teu Pai, que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará. E, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios; porque presumem que pelo seu muito falar serão ouvidos. Não vos assemelheis, pois, a eles; porque Deus, o vosso Pai, sabe o de que tendes necessidade, antes que lho peçais.” (Mateus 6.5-8)
O tema aqui tratado, a oração, foi e sempre será um grande problema na vida do homem. É um problema muito atual na Igreja. Talvez hoje não seja tanto o problema de orar da maneira errada, mas a falta de oração que a igreja evangélica moderna enfrenta. Os membros já não dão a importância que merece esta questão. Além disso, isto se agrava com a situação do contexto onde vivemos. Problemas como o déficit de atenção são característicos de nossos tempos e certamente afetam também à vida de oração. É difícil nos desconectarmos da mídia, internet, celular, televisão, computador, etc., etc. Já quase não há espaço para o exercício contemplativo por meio da oração. Portanto, temos um grande desafio para vencermos tais barreiras, uma vez que o Senhor Jesus apresenta aqui a oração como uma necessidade da vida do crente.
Por outro lado, este texto aborda também a profundeza do pecado do homem, pois mostra como ele nos acompanha até as portas do céu. Muitas vezes consideramos pecado apenas as forma de ações como “faço isto ou faço aquilo que não condiz com a conduta cristã”, mas o texto em consideração nos mostra que podemos estar pecando inclusive por meio dos instrumentos mais santos que Deus nos dá para adorá-lo. Como bem disse Lloyd-Jones, é nos homens santos e ajoelhados que vemos o alcance e a profundeza das tentações e do pecado na vida do homem, pois até na oração podemos ser tentados para utilizá-la para nossa própria glória. O pecado é um câncer, ele se espalha, ele tenta se infiltrar como o água que transborda e permeia qualquer fissura que encontra, ele é capaz de nos perseguir até a presença de Deus nas nossas orações, de maneira que tiremos toda a glória dEle e foquemos toda a atenção em nós mesmos. Por isso este aspecto é tão grave e tem tão severas advertências de Jesus. Observe a tamanha importância que Jesus dá a este aspecto, veja a extensão do assunto da oração (versos 5 a 14) se comparado com o assunto anterior das esmolas (versos 2 a 4), ou com o assunto posterior do jejum (versos 16 a 18). Somente na oração Jesus se deteve nos detalhes.
No decorrer deste capítulo veremos quais as advertências, quais os problemas das atitudes erradas diante da oração e qual é o ensinamento positivo para nossas vidas que o Senhor nos deixou nesta porção do Sermão do Monte.

A atitude dos hipócritas

Consideremos primeiro o aspecto negativo colocado pelo Senhor Jesus, quando ele confronta uma atitude errada em relação à oração:
“E, quando orardes, não sereis como os hipócritas; porque gostam de orar em pé nas sinagogas e nos cantos das praças, para serem vistos dos homens. Em verdade vos digo que eles já receberam a recompensa.” (Mateus 6.5).
Depois ele continua:
“E, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios; porque presumem que pelo seu muito falar serão ouvidos.” (Mateus 6.7)
Notem que Jesus começa dizendo “quando orardes” (verso 5). Quando orardes, não sejas como eles, disse Ele. Ora isto significa que o confronto que encontramos neste texto não está dirigido à oração em si, mas à forma e atitude que temos no momento de orar. O fato de Jesus iniciar a sua advertência dizendo “quando orardes”, implica em que ele assume que seus discípulos oram como uma prática rotineira, contínua. O nosso Senhor foi um homem de profunda e constante oração. Lucas nos conta no seu evangelho (Lucas 18.1) que ele encorajou seus discípulos a “orar sempre e nunca esmorecer”. O apóstolo Paulo ainda reforçou também a necessidade da oração constante aos crentes em Tessalônica com as palavras: “orai sem cessar...” (1Tessalonicenses 5.17). A oração é uma marca do crente, pois é o canal de comunicação do cristão com seu Deus. É através da oração que chegamos diante do trono de Deus para buscarmos a sua graça, o seu perdão, a sua benevolência e as suas bençãos. Portanto, não temos desculpa para não orarmos. A Bíblia nos exorta a exercitarmos a oração e o próprio Senhor Jesus nos traz neste ensinamento importantes princípios para a vida de oração.
Como já dissemos anteriormente, o problema colocado aqui é a atitude que podemos tomar diante da prática da justiça por meio da oração. Neste sentido, duas atitudes erradas são destacadas por Jesus nos versos que lemos: a) a vanglória (verso 5); e b) as vãs repetições (verso 7). Vejamos esse dois aspectos a seguir.

a)  A vanglória na oração

O primeiro problema dos fariseus e escribas hipócritas é que eles amavam orar na sinagoga e em pé, para serem vistos por todos, como diz o verso 5. Além disso, outros textos dos evangelhos nos contam que já no caminho eles paravam nas esquinas públicas para orar a Deus com o intuito de serem vistos pelos homens. Eles amavam orar porque esta prática lhes permitia exibir-se diante dos homens. É interessante que os relatos bíblicos nunca apresentam os fariseus como homens ajoelhados e humilhados em oração. O que vemos nesses relatos são homens em pé e cheios de orgulho quando oravam. Vemos um claro contraste entre a atitude destes homens e os verdadeiros adoradores na parábola contada por Jesus em Lucas 18.9-14:
“Dois homens subiram ao templo com o propósito de orar: um, fariseu, e o outro, publicano. O fariseu, posto em pé, orava de si para si mesmo, desta forma: Ó Deus, graças te dou porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros, nem ainda como este publicano; jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de tudo quanto ganho. O publicano, estando em pé, longe, não ousava nem ainda levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: Ó Deus, sê propício a mim, pecador!” (Lucas 18.10-13)
O Senhor Jesus concluiu essa parábola dizendo que o publicano voltou justificado e não o fariseu. O fariseu estava cheio de orgulho, em pé, alçando os olhos a Deus, já o publicano nem ousava levantar o olhar. Não quero dizer com isto que sempre devemos orar ajoelhados, nem que sempre devemos orar com um espírito quebrantado. Acho bom sim, e acho que hoje em dia isto é uma das coisas que mais falta na vida dos crentes: uma verdadeira humilhação diante da face de Deus em oração. Porém, sei que muitas vezes podemos estar orando na igreja ou em casa, por exemplo, em pé, ou mesmo sentados. Também podemos estar orando com alegria, com gratidão. Isto também é necessário. O problema é que esses hipócritas não queriam se humilharem, eles achavam desnecessário. Eles acreditavam que a oração era um meio pelo qual eles aperfeiçoavam sua justiça e assim eles se tornavam merecedores da graça de Deus. Esta justiça própria era de tal importância para eles que a queriam exibir como um troféu diante da sociedade. Portanto, o ensinamento que encontramos aqui é que o mal está em orar para meu próprio interesse diante dos homens.
Agora, você como cristão pode pensar que isto é trivial, é muito claro que não se deve orar assim. Mas deixe-me lhe dizer que não necessariamente é algo muito visível. Há maneiras muito sutis de nos vangloriarmos por meio da oração. Considere, por exemplo, o tipo de crente que gosta ser conhecido como um homem ou mulher de oração na sua Igreja. Incialmente pode nos parecer uma atitude positiva e louvável tal característica da pessoa. Contudo, conforme o ensinamento que encontramos neste trecho do Sermão do Monte, não é este um tipo de característica que deveria ser muito patente aos olhos de terceiros. É algo que deveria ser apenas entre o Pai e você. Quando falo de pessoas de oração da igreja refiro-me àqueles que se fazem notar por meio de longas orações, talvez com intensas lágrimas. Certa vez conheci uma pessoa que sempre que orava em público chorava. As primeiras vezes parecia algo muito piedoso, mas lentamente, após tantas orações escutadas, comecei notar uma regra e ordem na estrutura da sua oração, e o choro chegava sempre no mesmo momento dessa sequência. Não sou ninguém para julgar se isso era genuíno ou não, mas tal atitude pode se tornar repreensível se for feita mecanicamente. Também há pessoas que gostam de falar reiteradas vezes de como elas têm vencido desafios e problemas mediante a oração. Se isto for como testemunho daquilo que Deus fez por na vida deles devemos nos alegrar juntamente com eles. Porém, refiro-me àqueles que, mediante esses testemunhos, ficam diante da Igreja como heróis da oração, como aqueles que são modelos de oradores para a igreja.
Há situações da vida muito mais sutis ainda. Por exemplo: o que pensamos sobre nós mesmos quando estamos sozinhos no quarto orando e outros estão fora sabendo disso? Falo àqueles que moram com outras pessoas, sejam os cônjuges, filhos, pais ou irmãos. Qual é o nosso sentimento diante deles no momento que estamos orando no nosso quarto. Será que não há em nós um desejo de que os outros saibam que estamos sendo piedosos na oração pessoal? Outro problema que vejo são aquelas pessoas que se orgulham pelo “tempo” que eles oram por dia. Será que a quantidade de tempo que oramos não poderia ser um motivo de orgulho também? Acredito que hoje em dia tenhamos mais problema com o pouco tempo de oração ao invés do que com o muito tempo, mas se você consegue ser uma pessoa disciplinada nesta área, qual é seu sentimento diante dos outros que são mais frágeis neste aspecto?
Permitam-me citar mais um exemplo: conheço outro tipo de problema com a vanglória na oração. Trata-se das pessoas que utilizam a oração pública para exercer influência sobre os ouvintes ao invés de focalizarem esse momento em Deus unicamente. São pessoas que quando oram parece que estão pregando aos ouvintes, não que estão orando elas mesmas a Deus. O problema tanto desta atitude como de todas as outras mencionadas é que quando oramos, toda a nossa atenção e interesse devem estar focados no receptor das nossas orações, isto é, em Deus o Pai. A oração, seja pública ou privada deve ser para glorificar a Deus e para nos humilharmos diante dEle. Qualquer outro foco nas pessoas do nosso lado, por mais bem intencionado que seja, perde o alvo do verdadeiro propósito da oração.
Diante destas colocações pode surgir uma dúvida com a qual eu mesmo me deparei algumas vezes. Vou lhes dar um exemplo bem prático. Algumas vezes quando eu ia almoçar no restaurante da universidade junto com colegas não cristãos ficava com uma dúvida: devo orar ou não na frente deles? Se eu orar, não estarei me vangloriando? Se eu não orar, não estarei me envergonhando? É o dilema vangloria versus vergonha. Posso ocultar um destas duas atitudes por trás de orar ou deixar de orar na frente desses colegas? Acredito que não haja uma resposta única para todas as pessoas. Temos que olhar o que temos em nosso interior. Posso lhes dizer que eu, particularmente, sempre optei por orar se o ambiente for propício para isso, pois conheço a minha fraqueza e sei que a minha maior tentação é em me envergonhar em orar diante desses colegas. Portanto, no meu caso, eu devo me esforçar para não cair no pecado da vergonha do evangelho. Mas se houver outra pessoa que se sentir orgulhosa por orar na frente de pessoas incrédulas, seria melhor enfrentar tal pecado sendo discreto na oração. É uma questão de contexto que demanda muito bom senso.

b) As vãs repetições na oração

Uma segunda atitude errada diante da oração é a que Jesus destaca no verso 7: as vãs repetições. Note que não se trata de qualquer tipo de repetição que é condenada. Por exemplo, o nosso Senhor orou no Getsemani antes da sua morte repetindo a mesma frase por três vezes. Vemos as orações dos salmistas que também em muitos casos são compostas por repetições de lamentos. Paulo fez três vezes a mesma petição ao Senhor, que lhe tirasse o espinho da sua carne. Então, não é qualquer tipo de repetições que trata este texto.
As vãs repetições neste texto referem-se a frases ensaiadas e decoradas. Algo similar ao que acontece no cristianismo de hoje quando ao invés da oração se fazem rezas, substituindo a comunicação com o Pai por frases decoradas. Mais adiante nesta série de estudos no Sermão do Monte veremos a oração modelo do Pai Nosso. Este é um típico caso que hoje se utiliza para rezar. Porém, esta oração tinha sido dada pelo Senhor Jesus como modelo, como instrumento de ensino e não como um fim em si mesmo. Uma característica impressionante dos salmos bíblicos, um livro repleto de orações, é a simplicidade da comunicação do salmista com seu Deus, de uma maneira natural e espontânea. Não quero dizer que é errado usar o Pai nosso ou algum salmo como a nossa oração, mas mesmo nesses casos devemos fazê-lo com uma profunda meditação daquilo que estamos orando, senão, corremos o risco de agirmos como esses hipócritas, que transformaram suas orações vãs repetições usadas para impressionar aos homens.
Além disso, existem outros tipos de vãs repetições mais sutis do que as rezas. Uma vã repetição pode ser uma falsa promessa que fazemos a Deus como condição para que algo aconteça. Refiro-me a essas promessas e penitências que as pessoas fazem para alcançar o favor de Deus. Já viram pessoas que prometem deixar algum vício ou que prometem caminhar de joelhos até um determinado lugar, ou coisas semelhantes, se Deus responder ao pedido delas? Isto é uma vã repetição, uma promessa a Deus sem sentido. Primeiro porque o abandono do pecado não deveria estar fundado em uma promessa nem menos ainda em um resultado esperado, mas no arrependimento. Além disso, é vã porque somos incapazes de cumprir qualquer coisa e Deus não precisa de condições. Ele não é homem para que nós o coloquemos condições nem é um ídolo pagão para que precise trocas de bênçãos por adoração.
Outra forma de vã repetição são as argumentações que utilizamos nas orações para convencê-lo dos nossos desejos. Deus não precisa de argumentos humanos, ele não é homem para ser convencido.  Tais orações são apenas vãs repetições. Há também “orações relatório” feitas a Deus que são vãs repetições. Falo daquelas pessoas que chegam a Deus com uma decisão já tomada e estão completamente decidas a cumpri-la. Parece inacreditável, mas já ouvi pessoas com esta atitude e certamente isto é uma vã repetição, pois Deus não é um súbdito que precisa saber o que faremos, somos nós que precisamos saber dEle o que fazer!
Uma última forma errada de oração pode ser as que são excessivamente longas. O problema não está no fato da oração ser longa, pois os evangelhos nos contam que o Senhor Jesus, em muitas ocasiões, orava a noite inteira. O problema deste tipo de orações está em querer manipular a Deus pela insistência e persistência. Sobre isto gostaria de me deter um pouco para meditarmos juntos. Vejamos o seguinte: há uma tendência no meio evangélico de ver a Deus como um servo que responde positivamente a qualquer coisa que peçamos. Basta insistir, persistir e ter muita fé. Quando algo não for atendido positivamente é porque faltou ter mais fé. Nestes casos a soberania de Deus é esquecida. Deus é tratado como um servo nosso que responde a qualquer demanda, em vez de ser considerado o todo soberano rei do universo ao qual chegamos implorando e suplicando seu favor. A respeito disto, há uma frase cliché que diz: “a oração muda as coisas” e que tem sido muito mal usada. Não é a oração que muda as coisas. É Deus que muda as coisas. Através da oração podemos apenas alcançar seu favor, mas, somente se assim aprouver a Ele. Eis aqui o ponto em questão: sempre é conforme a vontade dEle e não a nossa. É uma vã repetição ficar insistindo um pedido e crer que Deus tem que atender positivamente a tal pedido. Muitas vezes, ao invés de Deus mudar a situação que é o alvo do nosso pedido, Ele muda a nós mesmos para sermos capazes de suportar tal situação. Lembra a oração de Paulo? Em 2 Coríntios 12 ele nos conta que orou até três vezes pedindo a Deus que tirasse o espinho na carne. Qual foi a resposta de Deus? A resposta foi: “a minha graça te basta, porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza” (2 Coríntios 12.9). Deus disse não ao pedido de Paulo, a Sua graça era suficiente para Paulo e a fraqueza na vida de Paulo permitia que se manifestasse o poder de Deus que o sustentava. Lembre: Deus pode dizer não a um pedido nosso. Então, é melhor orar como Jesus: “Pai, se queres, passa de mim este cálice; contudo, não se faça a minha vontade, e sim a tua” (Lucas 22.42).
Todos os exemplos que coloquei acima são exemplos do que faziam os gentios da época de Jesus. É por isso que Ele disse: “não useis de vãs repetições, como os gentios; porque presumem que pelo seu muito falar serão ouvidos.” (Mateus 6.7). O Senhor Jesus está falando de gentios que eram pagãos e, como tais, adoravam a ídolos feitos pelas mãos humanas. Observem os deuses da mitologia grega ou romana. Esses deuses são imagens do homem. Eles eram semideuses. Na mitologia havia disputas, ciúmes e invejas entre os deuses como entre qualquer ser humano. Por serem semelhantes aos homens, seus adoradores agiam como quem tratasse com um ser humano, pois se preocupavam em repetir as súplicas, em argumentar e convencê-los. Lembre o exemplo bíblico de Elias contra os profetas de Baal (1 Reis 18). Enquanto Elias esperava o tempo certo para orar a Deus e receber uma resposta, os profetas de Baal gritavam para serem ouvidos por seu ídolo e faziam sacrifícios, esforçando-se com vãs repetições para serem atendidos por ele.

O ensinamento de Jesus para a vida de oração

A mensagem do Evangelho significa boas novas, boas notícias para o homem perdido. Por conseguinte, nenhum ensinamento bíblico foca apenas no aspecto negativo. A Palavra de Deus é instrutiva para nossa vida, de maneira positiva. Ela nos adverte, mas também nos instrui. Este caso não é a exceção. Jesus advertiu e logo ensinou a forma correta de procedermos na oração. Ele passa a instruir como se deve agir quando formos orar:
“Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto e, fechada a porta, orarás a teu Pai, que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará. [...] Não vos assemelheis, pois, a eles; porque Deus, o vosso Pai, sabe o de que tendes necessidade, antes que lho peçais.” (Mateus 6.6,8)
Poderíamos dividir esta instrução nas seguintes etapas que veremos a seguir: a) o processo de exclusão; b) a percepção; e c) a confiança.

a) O processo de exclusão

Observem que a instrução para orarmos começa com uma exclusão, um afastamento de todas as coisas e de todas as pessoas para estarmos sós com Deus. Lemos em Gêneses 24.2 que Isaque se retirava a meditar ao campo; Mateus 14.22-23 nos mostra ao Senhor Jesus se afastando das multidões para orar sozinho; em Atos 10.9 lemos que Pedro também se retirou ao telhado para orar. Temos muitos exemplos bíblicos onde os servos de Deus buscavam comunhão com Ele a sós. A exclusão é essencial para uma vida de oração.
Nesses momentos a sós com Deus precisamos esquecer tudo o que está ao nosso redor. Precisamos “desligar-nos” do que acontece e de coisas que podem nos interromper. Não interprete isto como o tipo de meditação hindu, onde a pessoa tem que chegar a um estado de inconsciência. Muito pelo contrário, nesse momento precisamos ter consciência absoluta daquilo que estamos fazendo e dizendo, pois estamos em um momento de intimidade com Deus. Também não significa que vamos esquecer nossos problemas, pois muitas vezes é através da oração que trazemos diante de Deus esses problemas para suplicar a ajuda divina. O que estou dizendo é que este é o momento de exclusividade de Deus. Significa que as coisas vãs desta vida se tornam secundárias e somente vem a  toa quando queremos trazê-las em oração como pedidos ou agradecimentos a Deus. No momento de oração eu não deveria estar preocupado em como resolver um problema do trabalho ou qual será o cardápio da janta desta noite. Nesse momento a vida espiritual se deve tornar primária. A preocupação com minha alma e com a glória de Deus.
Portanto, é contra o problema de desconcentração que estamos lutando nesse momento. Este é um terrível mal de nossos dias, a dificuldade de nos concentrarmos para qualquer atividade, quanto mais ainda para a oração. Para o homem moderno, a exclusão não significa apenas entrar no seu quarto sozinho. Em nossos dias o isolamento implica também em desligar o celular, computador, telefone fixo, TV, e qualquer coisa que possa nos atrapalhar nesse momento tão precioso para nossa alma.
Ora, o que temos visto aqui não exclui as orações públicas. Não é errado orarmos em certas ocasiões em público. Há vários exemplos bíblicos de irmãos orando juntos, como em Atos 4.23-31. O Senhor Jesus também orou em público, como na oração sacerdotal de João 17. Mas nesses momentos também precisamos nos excluir, não literalmente, mas mentalmente. A nossa oração, mesmo que seja pública, deve estar dirigida a Deus e não aos ouvintes. Nossa atenção é para Ele e não naquilo para o agrado dos demais presentes.

b) A percepção

O segundo ponto colocado por Jesus é este: “orarás a teu Pai”. Esta frase tão curta contém uma profundidade enorme. Não é a qualquer um que estamos orando, mas ao Pai. Precisamos perceber que estamos diante da presença do Deus Pai Todo-poderoso, criador dos céus e da terra, dono do universo e todo-soberano. Não é brincadeira. Particularmente, tenho muita dificuldade de entender aqueles que oram com um jeito todo descolado e irreverente. Eles argumentam que temos que quebrar aquele conceito da idade média de um Deus severo. Entendo a preocupação deles, mas acredito que estejam usando o método equivocado para isso. Não encontro sequer um exemplo bíblico de tal atitude por parte dos servos mais fieis a Deus e que caminharam com uma intimidade muito mais profunda do que a nossa. Pelo contrário, todos eles, mesmo tratando Deus de Pai, sempre mostraram uma profunda reverência à santidade do Santo dos santos. Portanto, precisamos entender diante de quem estamos nesse momento tão precioso. Muitas vezes, é necessário antes de começarmos a orar relaxar uns segundos em reflexão, lembrando o que estamos por fazer e diante de Quem estamos por nos apresentar.
Por outro lado, também devemos notar que oraremos “ao Pai”. Os judeus não estavam acostumados a tratar Deus com tal intimidade de maneira de chama-lo de Pai. Mas fomos adotados por meio do seu Espírito Santo, de maneira que clamamos “Aba Pai”. Esta expressão usada por Paulo em Romanos 8.15 é um termo aramaico informal para pai que transmite um sentido de intimidade. É para esse Pai que estamos orando. Consequentemente, podemos falar com Ele com sinceridade e simplicidade. Podemos ter nEle confiança e contar-lhe todas as nossas preocupações. Podemos manifestar-lhe todo o nosso amor e gratidão. Quer dizer que podemos trata-lo como a um verdadeiro pai, com todo o nosso amor e toda a nossa reverência e respeito.

c) A confiança

O último ponto que Jesus coloca é a confiança que podemos ter no Pai quando oramos a Ele: “e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará” e “o vosso Pai, sabe o de que tendes necessidade, antes que lho peçais”.  Ele nos vê e nos ouve. E ele se agrada em nos responder. A nossa confiança é esta: saber que ele está presente, que ele nos vê em secreto e que ele sabe o que precisamos antes que lhe peçamos. Ele nos ama e quer nos dar o melhor. Esta é uma grande confiança para o cristão, mesmo no meio dos sofrimentos.
Ora, para que devemos orar se ele já sabe tudo antes de que peçamos? A.W.Pink[1] coloca vários motivos para a oração diante da soberania de Deus. Esses pontos são: 1) A oração é em primeiro lugar para que Ele seja honrado, adorado e glorificado, não para os nossos pedidos; 2) A oração é para que sejamos humilhados e aprendamos a depender de Deus. É como um pai terreno que sabe o que seu filho precisa, mas espera que este o peça para que aprenda a valorozar o recebido e também para que aprenda a ser respeitoso e humilde. Os incrédulos não se agradam com a ideia de termos que depender de um Deus em todas as coisas e de termos que pedir cada coisa a um Deus como se ainda fossemos crianças. Mas o cristão tem prazer em fazê-lo, pois é nisso que descansamos, em saber que tudo recebemos dEle e que ele conhece todas as nossas necessidades. Não dependemos dos nossos próprios esforços, mas das dádivas do Pai. Isto implica no último ponto: 3) A oração é para que nos deleitemos nEle. Você já não se alegrou em ver uma oração sua respondida, uma necessidade atendida, uma benção recebida? Isso produz deleite e prazer no coração do cristão.
Então, não esqueçamos que além dessas benções que podemos receber já no fato de estarmos orando, a Palavra nos diz que “teu Pai que está em secreto te recompensará”. Deus se agrada daqueles que o buscam em secreto, longe da glória deste mundo, longe dos olhos dos demais. Ele se agrada nisso e recompensará o crente que viver uma vida de oração silenciosa e secreta diante do Pai.

Considerações finais

Após todas estas considerações práticas baseadas nas instruções de Jesus pouco nos resta para dizer. Na verdade apenas nos resta uma profunda autoavaliação sincera e nos perguntarmos: como tem sido a minha vida de oração? Tenho buscado a glória dos homens através das minhas orações? Tenho sido descuidado com minha vida de oração? Tenho comunicação com Deus em oração? Sou salvo em Cristo para poder orar a Deus e tratá-lo como Pai? A minha oração pode ser recebida diante de Deus pela obra de Cristo na cruz por mim?
Se alguma dessas perguntas tiver uma resposta negativa, considere aquilo que foi dito aqui e arrependa-se. Venha a Cristo, tome a sua cruz e siga-o. Somente nEle podemos ter acesso ao Pai e trata-lo com carinho, dizendo “Aba Pai”! Que Deus nos abençoe!


[1] A.W.Pink. “Deus é soberano”. São José dos Campos: Editora Fiel.

Nenhum comentário:

Postar um comentário