sábado, 25 de maio de 2013

Sermão do Monte XXVII: O crente e o jejum

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Capítulo XXVII

O crente e o jejum

Alejandro G. Frank

Introdução

Começamos um novo capítulo do Sermão do Monte, ainda no desdobramento dos princípios ensinados pelo Senhor Jesus no capítulo 6 de Mateus. Em estudos anteriores vimos que Jesus apresentou um princípio geral, no verso 1: “Guardai-vos de exercer a vossa justiça diante dos homens, com o fim de serdes vistos por eles; doutra sorte, não tereis galardão junto de vosso Pai celeste”. A partir desta advertência em relação à falsa imagem de justiça e religião, aquela que busca a glória e o reconhecimento dos homens e não de Deus, Jesus passa na sequência a desdobrar tal ensino em diferentes aplicações práticas que abrangem três aspectos básicos da vida. Já vimos duas delas: a primeira trata sobre como dar esmolas glorificando a Deus e não a nós mesmos (versos 2 a 4) e, portanto, trata sobre os aspectos materiais na vida religiosa; e a segunda trata sobre como orar glorificando a Deus e não a nós mesmos (versos 5-14), o que alude aos aspectos espirituais na vida religiosa.
Estamos agora frente a uma nova aplicação, a última das três dadas por Jesus no Sermão do Monte. Esta nova aplicação trata sobre como fazer jejum para glorificar a Deus e não a nós mesmos e, consequentemente, aborda o aspecto físico do ser humano diante da vida religiosa. Vejamos o que nos diz este ensino:
“Quando jejuardes, não vos mostreis contristados como os hipócritas; porque desfiguram o rosto com o fim de parecer aos homens que jejuam. Em verdade vos digo que eles já receberam a recompensa. Tu, porém, quando jejuares, unge a cabeça e lava o rosto, com o fim de não parecer aos homens que jejuas, e sim ao teu Pai, em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará.” (Mateus 6.16-18)
Vemos novamente mais um exemplo de falsa aparência de piedade e religião utilizada pelo homem hipócrita. O verdadeiro intuito dos hipócritas com o jejum não era agradar a Deus, mas serem louvados diante dos homens pela piedade com que realizavam esta prática. Mas Jesus se preocupou com seus discípulos, para que estes aprendessem a prática correta que agrada a Deus.

Atitudes negativas contra o jejum

O jejum é uma prática muito comum em praticamente todas as religiões do mundo. Há religiões que são muito rigorosas com tais práticas e guardam datas específicas do ano para realiza-las. Parece ser que o jejum é um aspecto quase central e comum em todos os tipos de adorações do ser humano. Há pessoas que o fazem para serem agradáveis a seus deuses, outras para pagar votos de promessas, outras para alcançar perdão e outras podem fazê-lo para serem respeitadas como piedosas diante dos homens, como no caso lido neste texto. É por tal motivo que muitas vezes o jejum é desconsiderado e até desprezado no meio evangélico. Todas essas confusões a respeito do jejum têm gerado muitas vezes uma resistência a realizar esta prática. Já ouvi argumentos de cristãos tais como “fazer jejum só leva à loucura das pessoas, para que estas imaginem que vêm anjos e visões”, ou “não há apoio nas epístolas para que as igrejas dos gentios pratiquem o jejum, isto era somente uma prática judaica”. Estes tipos de reações acredito que sejam influenciadas não apenas pelas práticas de outras religiões, mas também por muitos excessos que aconteceram e seguem acontecendo dentro do próprio seio do cristianismo. Por exemplo, na idade média era muito comum algumas pessoas alucinarem e terem visões de profecias totalmente contrárias às Escrituras. Muitas dessas visões eram realmente fundadas em mentes místicas, somadas aos excessos da prática do jejum. Também podemos ver algo similar até hoje em algumas linhas do pentecostalismo. Porém, não podemos usar estes aspectos como base para a nossa argumentação conta tal prática e a seguir explicarei o motivo.
Em primeiro lugar, quem estiver acompanhado nossos estudos sobre o Sermão do Monte, poderá lembrar alguns princípios que já vimos que nos impedem de reagir de tal maneira. O Evangelho de Jesus Cristo não é uma reação negativa a todo vento de doutrina que encontramos por ai, em outras religiões. Cristo veio nos ensinar a verdadeira religião. Ele veio nos trazer a mensagem de boas novas. Portanto, o Evangelho não consiste em reações, mas em ações concretas que busquem a glória de Deus. Se pensarmos desta maneira, a nossa principal questão não será se o jejum é praticado por outras religiões que o interpretam de maneira errada. A nossa principal questão será se o jejum é realmente uma prática instruída por Deus e se ele realmente se agrada em que a pratiquemos. Vejam que a mensagem do Evangelho nos leva a olhar para Cristo, de maneira que entendamos a vontade do Pai. Isto nos liberta de muitos preconceitos e entendimentos errados. É comum encontrar cristãos que constroem sua teologia baseada no que há de errado por ai. O fundamentalismo distorcido (não o movimento original) foi radicalmente contra as bebidas alcoólicas, muitas vezes utilizando argumentos bíblicos para isto. O que eles fizeram foi criar uma doutrina baseada nos aspectos negativos da sociedade. Havia grandes problemas sociais em relação ao álcool nos Estados Unidos, porém, a Palavra de Deus nunca condenou essas bebidas, apenas a embriaguez. Eles perderam o foco do Evangelho, que visa o domínio próprio e que consequentemente é contra a embriaguez, e construíram o ensinamento em base à situação social do momento. Isto tem acontecido com as músicas, com as vestimentas e com muitas outras coisas. O jejum não é uma exceção.
Em segundo lugar, explicamos várias vezes ao longo do estudo do Sermão do Monte que os ensinamentos dados por Jesus são para seus discípulos em todos os tempos. Eles contêm os aspectos essenciais para a vida cristã do ser humano. Não é um tratado sobre aspectos meramente judaicos, mas um ensinamento sobre como os discípulos de Cristo devem viver. Novamente aqui temos um aspecto positivo ao invés de negativo: “quando jejuardes” (v.16a). Há pessoas que entendem o Sermão do Monte como se este apenas fosse um ensinamento para nos condenar, para nos mostrar quão longe estamos dos padrões de Cristo. Se olharmos do ponto de vista negativo podemos afirmar que isto é verdade, não discordo disso. Como seres humanos caídos, somos incapazes de vivermos uma vida perfeitamente santa diante de Deus, senão não precisaríamos da graça diária de Deus dada pelo sacrifício do seu Filho. Não obstante, o Sermão do Monte foi primeiramente pregado para homens que creram em Jesus como sendo o Messias. Foi dado a seus discípulos. Cremos que tais pessoas são as que foram regeneradas e têm o auxílio e o poder do Espírito Santo para viver uma vida conforme a vontade de Deus, mesmo que sendo imperfeitos. Nosso alvo é a santidade, e o Sermão do Monte nosso instrutivo. Portanto, eu diria que o Sermão do Monte com todos seus ensinamentos é uma mensagem do Evangelho para o homem sem Cristo, para que este veja quão imperfeito e pecador é e que não consegue ser salvo por suas próprias obras e, também, é uma mensagem do Evangelho para o homem com Cristo, para que este veja como deve se conduzir e viver como cristão nesta terra, sendo luz do mundo e sal da terra. Portanto, se o jejum foi dado neste contexto, entendemos que ele é também para nós hoje.
Além disso, temos mais argumentos para dar àqueles que dizem que o jejum é coisa do Antigo Testamento e dos judeus. Considere por exemplo o texto de Marcos 2.18-20. Jesus foi questionado do por que seus discípulos não jejuavam e os de João sim. Jesus lhes respondeu dizendo: “Dias virão, contudo, em que lhes será tirado o noivo; e, nesse tempo, jejuarão”. Ele, Jesus, é o noivo da sua igreja, a noiva. Ele diz que quando ele não estaria mais, seus discípulos jejuariam. Por acaso se trata dos três dias em que ele esteve morto? Acredito que seja mais natural entender o texto como sendo o tempo posterior, a era da Igreja de Cristo, onde ele não está mais presente fisicamente. Esse tempo inclui hoje, até a sua vinda em poder e glória. Ainda, temos também relatos em Atos dos apóstolos dos primeiros discípulos jejuando. Por exemplo, em Atos 13.1-4 eles estavam em continuo jejum e oração e quando tiveram uma missão diante deles jejuaram mais uma vez ainda, sempre acompanhado de orações.
Tendo dito isto, agora buscaremos entender a questão do jejum e a sua importância para nossas vidas cristãs.

Entendendo o jejum nos tempos bíblicos

Para entendermos como o Senhor espera que seus discípulos pratiquem o jejum, primeiramente precisamos entender do que se trata o jejum. Podemos dizer que em todos os casos bíblicos o jejum significa abstinência de alimentos e, em alguns casos, abstinência total (inclusive líquidos). Em outros casos se trata de abstinência de alimentos especiais ou deleitosos. Em todos os casos, esta abstinência tem um propósito muito claro e especial: a dedicação espiritual para se consagrar a Deus mediante a meditação e oração. Hoje escutamos pessoas que dizem fazer jejum de assistir TV, jejum de vídeo games e internet, jejum de atividades, etc. Acredito que seja muito bom pararmos de vez em quando de muitas coisas que nos desconcentram ou que nos seguram quase como um vício, mas isso não significa que estamos jejuando conforme o ensinamento bíblico.
Na Bíblia encontramos muitos exemplos de jejum no sentido estrito de abstinência de alimentos, sempre com um propósito bem claro e definido. Vejamos alguns exemplos:
·         Ester 4.16 e Esdras 8.21-23: Jejum por pedido de direção e graça de Deus para uma missão.
·         2 Samuel 12.16: Davi jejua pedindo misericórdia de Deus pela vida do seu filho recém nascido.
·         2 Crónicas 20.2-3: Josafá jejua pedindo socorro a Deus por causa dos seus inimigos.
·         Jeremias 36.7-8: É anunciado um jejum geral do povo, para apregoar um arrependimento nacional, para preparar nesse arrependimento às almas para buscarem a Deus e ouvirem a sua palavra por meio da leitura da lei.
·         Neemias 1.3-6: Neemias jejua para interceder e confessar os pecados do seu povo.
·         Lucas 2.36-38: Ana servia no templo por meio dos jejuns e orações, para sua dedicação total à adoração a Deus.
Todavia, o maior exemplo de jejum, descrito na Palavra de Deus, se encontra em Mateus 4.1-11. É o jejum de quarenta dias que Jesus fez no deserto como preparação para o início do seu ministério. Foi um tempo de preparação especial que Jesus teve que passar. Ele se preparou em jejum durante todo esse tempo e no final chegou a prova, a tentação de Satanás. O jejum é apresentado neste texto como elemento essencial da preparação de Cristo para enfrentar a tentação e começar após isso seu difícil ministério.
Bem, mas considerando todos esses casos podemos nos preguntar: qual é o propósito do jejum? Para que jejuar? Não era suficiente em todos esses casos citados apenas a oração e meditação? Por que passar fome? Acredito que a resposta mais clara a estes interrogantes esteja no texto de Esdras 8.21-23: “Então, apregoei ali um jejum junto ao rio Aava, para nos humilharmos perante o nosso Deus, para lhe pedirmos jornada feliz para nós, para nossos filhos e para tudo o que era nosso”. Esdras coloca claramente o propósito primário e o propósito final do jejum que realizaram. O propósito final que eles tinham era pedir uma jornada feliz para todos eles na viagem que tinham que realizar. Isso é o que eles queriam pedir a Deus, o que eles esperavam receber graciosamente do Senhor. Ora, Esdras diz que para isso eles jejuaram. Por que jejuaram? Ele diz: “para nos humilharmos perante o nosso Deus”, este era o propósito primário do jejum e, através dele, eles esperavam alcançar o favor de Deus e ter uma jornada feliz. Seguindo este texto podemos ver que o propósito do jejum é a humilhação diante de Deus. Mediante o jejum reconhecimentos a nossa dependência e miséria diante dEle. Não obstante, o jejum não tem o propósito de manipular ao Senhor, nem garante que a nossa oração será atendida conforme nossos desejos. Em 2.Samuel 12.15-25 podemos encontrar um bom exemplo disto. Nesse texto vemos que o filho recém-nascido de Davi adoeceu gravemente. Davi começou orar e jejuar pela vida da criança, mas o Senhor não lhe concedeu o pedido de Davi e a criança morreu. Davi não pode torcer a decisão de Deus, mesmo tendo orado e jejuado.
Uma segunda pergunta que pode surgir em base ao exposto é a seguinte: Por que esta humilhação tem que vir por meio da abstinência dos alimentos? Não é suficiente a oração? Já vimos no estudo sobre a oração que esta também nos leva a nos humilharmos diante de Deus. Porém, deixem-me lhes explicar melhor o porquê do jejum como humilhação especial: Jejum significa abstinência de alimentos. O alimento é a essência da força humana. Através dos alimentos temos as forças necessárias para empreendermos qualquer desafio. Notem que quando Deus quis ensinar ao povo de Israel a dependerem dele, ele o fez através do alimento, dando-lhes o Maná. O Maná, o alimento diário de Deus para seu povo, era um símbolo da dependência de Deus na peregrinação pelo deserto. Para o ser humano é humilhante depender de um Ser superior que lhe providencie o sustento e assim Deus usou este método de ensino para seu povo aprender a humildade e dependência. Assim sendo, vemos que o jejum nos leva a um estado de fraqueza, pois ficamos sem o essencial para a vida. Por outro lado, o jejum nos leva a um estado de fortaleza espiritual, pois nos aproxima mais da presença de Deus, através da dependência dele. O jejum nos ajuda a lembrarmos durante todo dia aquilo que estamos trazendo em oração diante de Deus. Também nos enfraquece, de maneira que não tenhamos forças para o trabalho e atividades rotineiras e, assim, possamos refletir mais sobre nós e nosso estado espiritual. Observe um detalhe sobre esta última afirmação: o jejum envolve sempre um estado meditativo, reflexivo. Sempre que vemos na Bíblia um homem ou uma mulher jejuando, podemos vê-lo num estado de reflexão, de separação, de oração e de humilhação. Não podemos encarar o jejum como uma atividade externa, mecânica e prática. O jejum é um meio para nos aproximarmos a Deus e com tal atitude devemos abordá-lo.
Outro propósito que podemos encontrar no jejum tem a ver com a disciplina do ser humano como um todo. A Bíblia nos diz que o ser humano é corpo, mente e espírito. O ser humano é uma unidade entre essas partes, embora a tendência humana seja exaltar a matéria, o corpo. Neste caso, o jejum é uma disciplina por meio da qual reduzimos esta parte da unidade do ser humano, tornando-nos fisicamente fracos, e exaltando o espírito, por meio da meditação e oração.   Vemos isto na preparação para o ministério de Jesus. Ele jejuou no deserto e passou fome, ficou fraco. O seu estado de humilhação se tornava maior ainda, Satanás tentou usar este ponto tentando-o a transformar as pedras em pão. Como é possível que o Deus encarnado esteja passando fome? Esse era um dos argumentos de Satanás para tentar Jesus. Mas o Senhor mostrou que a sua supremacia estava no Espírito e não na carne. A carne, a fome, a fraqueza, foi controlada pelo Espírito e não o contrário. Totalmente oposto ao que vemos no dia-a-dia: pessoas controladas pela carne, pelos impulsos e desejos dos seus corpos. Portanto, o jejum nos ajuda a lembrar de que “não só de pão viverá o homem, mas de tudo que procede da boca do Senhor viverá o homem” (Deuteronômio 8.4).

O problema dos fariseus quanto ao jejum

No texto que estamos estudando vemos que mais uma vez os hipócritas estavam utilizando um instrumento santo dado por Deus para a sua adoração como um instrumento para a própria glória e honra deles. Este era o problema dos fariseus. Eles queriam mostrar a religiosidade e espiritualidade que tinham pelo fato de jejuarem. O costume que guardavam eles era de mostrar seu jejum e eles faziam isto caminhando pelas ruas com suas vestes rasgadas e com cinza sobre a cabeça, mostrando assim sua penitência. Mais do que isso, os fariseus eram tão estritos e severos com esta prática que enquanto a Lei de Moisés indicava que os judeus deveriam jejuar uma vez no ano, eles o faziam duas vezes na semana! A religião do homem sem Deus pode ser muitas vezes muito mais pesada, mas severa, mais exigente que qualquer adoração verdadeira a Deus. Isto pode nos surpreender, pois muitas vezes acreditamos que não há nada mais difícil do que vivermos como cristãos. Mas observe o rigor de vida que hoje levam alguns monges budistas, por exemplo. Tenho certeza que em rigor e disciplina externa eles são muito mais esforçados que qualquer outra pessoa. Mas isso serve? Claro que não. O problema é que o ser humano muitas vezes está disposto a carregar inúmeros esforços próprios, tais como os dois jejuns semanais dos fariseus, por mero orgulho, para ser ele mesmo merecedor diante de Deus. Os fariseus acreditavam que eles eram justos diante de Deus por esse esforço e rigor nas suas vidas. Mas Jesus ensinou aqui que de nada serve um rigor religioso carregado de orgulho próprio, de justiça própria, para vanglória ao invés de ser para a glória de Deus.
Portanto, o problema todo não estava no jejum em si mesmo, mas na atitude em que estes homens encaravam tal prática. Eles poderiam praticar seus jejuns com o rosto lavado, sem transparecer como se fosse uma prática difícil que somente santos especiais como eles poderiam ser capazes de praticá-la. Atitudes similares encontramos até hoje nas igrejas. Pense em pessoas, talvez em você mesmo, quando realiza algum trabalho na igreja e ao invés de fazê-lo com alegria, o faz demonstrando que isso é um sacrifício para você. Outros o vêm e pensam: “como é esforçado esse trabalho para o irmão, como ele é fiel para suportar essa obra”. Nesse caso, você ou a pessoa que for está roubando glória para si mesmo. Está caminhando, em um sentido figurado, com panos rasgados e cinza sobre a cabeça, mostrando a todos o quão importante é o esforço religioso que está realizando. Sempre que mostramos aos outros que nos custa alguma coisa servirmos a Deus, que estamos abrindo mão de algo para realizar a obra de Cristo, de certa forma criamos um meio para a admiração e louvor dos homens. A atitude certa deveria ser a que nos ensinou Jesus em Lucas 17.10 quando disse que após fazermos o que nos for encomendado, deveríamos dizer: “servos inúteis somos, pois apenas fizemos o que devíamos fazer”.
Mas também encontramos outro problema sobre o jejum já no Israel do Antigo Testamento. Os judeus já tinham sido repreendidos por pensarem que seriam ouvidos apenas por jejuar, eis aqui uma boa descrição de uma vida religiosa vazia, apenas baseada em práticas externas: 
“Clama a plenos pulmões, não te detenhas, ergue a voz como a trombeta e anuncia ao meu povo a sua transgressão e à casa de Jacó, os seus pecados. Mesmo neste estado, ainda me procuram dia a dia, têm prazer em saber os meus caminhos; como povo que pratica a justiça e não deixa o direito do seu Deus, perguntam-me pelos direitos da justiça, têm prazer em se chegar a Deus, dizendo: Por que jejuamos nós, e tu não atentas para isso? Por que afligimos a nossa alma, e tu não o levas em conta? Eis que, no dia em que jejuais, cuidais dos vossos próprios interesses e exigis que se faça todo o vosso trabalho. Eis que jejuais para contendas e rixas e para ferirdes com punho iníquo; jejuando assim como hoje, não se fará ouvir a vossa voz no alto. Seria este o jejum que escolhi, que o homem um dia aflija a sua alma, incline a sua cabeça como o junco e estenda debaixo de si pano de saco e cinza? Chamarias tu a isto jejum e dia aceitável ao SENHOR? Porventura, não é este o jejum que escolhi: que soltes as ligaduras da impiedade, desfaças as ataduras da servidão, deixes livres os oprimidos e despedaces todo jugo?  Porventura, não é também que repartas o teu pão com o faminto, e recolhas em casa os pobres desabrigados, e, se vires o nu, o cubras, e não te escondas do teu semelhante? Então, romperá a tua luz como a alva, a tua cura brotará sem detença, a tua justiça irá adiante de ti, e a glória do SENHOR será a tua retaguarda;.” (Isaias 58.1-8)
Eles jejuavam, buscavam ter um conhecimento teologicamente correto, clamavam arrependimento, mas na prática nada vaziam. Não soltavam suas ligaduras com o pecado, nem mostravam misericórdia com o próximo. Eles jejuavam sem parar para refletir, apenas para que Deus os favorecesse em momentos oportunos de necessidade. Tal forma de jejuar nunca agradou a Deus e foi sempre repreendido por ele.

Jejuando da maneira correta

Finalmente chegamos ao aspecto positivo do ensinamento e passaremos a considerar agora qual deve ser a atitude correta do cristão diante da prática do jejum: “Tu, porém, quando jejuares, unge a cabeça e lava o rosto, com o fim de não parecer aos homens que jejuas, e sim ao teu Pai, em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará.” (Mateus 6.17-18).
O princípio para a atitude com que devemos realizar esta prática é o mesmo que para os outros exemplos que Jesus colocou anteriormente e consiste em praticarmos o jejum para Deus e diante dele ao invés de fazermos isto para os homens e diante dos homens. A nossa verdadeira preocupação tem que estar em agradar a Deus, em adorar a Ele e em buscar a glória dele, não a nossa. Se fizermos jejum, deve ser para clamar a Ele e não para sermos vistos diante dos homens. Jesus nos exorta a usarmos a máxima discrição possível. Os homens não precisam saber que nós jejuamos. O jejum não é uma atividade religiosa pública e menos ainda é uma atividade para recebermos o louvor dos outros.
Além disso, já vimos anteriormente o significado bíblico do jejum. Em base a tal significado, facilmente podemos inferir alguns aspectos para a prática do jejum. Primeiro, o jejum precisa ter um propósito claro, seja de dedicação, de súplica, de intercessão, enfim, não pode ser um ato mecânico, apenas uma rotina. Segundo, o verdadeiro jejum deve ser acompanhado de orações e meditação. É para nos aproximarmos mais de Deus. Novamente isto implica em que ele não pode ser um ato mecânico, pois é um instrumento de humilhação e aproximação a Deus, não uma mera rotina. Terceiro, o jejum é para ser praticado apenas quando somos movidos pelo Espírito Santo para fazê-lo e não pelo fato de ser uma obrigação que devemos cumprir para atingir uma meta espiritual preestabelecida. Isto implica, mais uma vez, que não se trata de uma ação mecânica e rotineira.
Finalmente podemos dizer que jejuar implica nos esquecermos de nós mesmos. Precisamente neste ponto estava o problema dos fariseus. Eles jejuavam pensando em si mesmos, em como eram visto pelos homens quando jejuavam. O jejum é uma forma de nos esvaziarmos das nossas próprias forças e nos humilharmos diante de Deus e, consequentemente, é o Pai que está nos céus que deve receber toda glória com este ato religioso. Não pense que você está fazendo grande coisa quando jejua, apenas agradeça a Deus por ter essa oportunidade e peça a Ele que o sustente durante a jornada de jejum de maneira que ele tenha toda a centralidade da sua meditação, reflexão e oração. Certamente o nosso Pai se agrada de tais adoradores, pois bem disse o nosso Senhor Jesus: “e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará” (Mateus 6,18b).
Que o Senhor nos ajude a vivermos de maneira agradável a Ele! Amém.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Seção Apologética: Entrevista sobre psicologia e cosmovisão cristã

Há algum tempo atrás uma pessoa que realiza o curso de psicologia teve que fazer uma entrevista com profissionais de outras áreas. O trabalho consistia em avaliar como outros profissionais enxergam a atuação do psicólogo e eu fui convidado a participar. Nestas perguntas tentei mostrar a perspectiva bíblica do ser humano, contrastando-a com o que entendo que de maneira geral pensam os psicólogos sobre o ser humano. Por favor, não me espanquem se apresento de maneira errada algum conceito da psicologia. Sou leigo nesse assunto (sou da área da Engenharia) e apenas apresentei a minha visão sobre alguns pontos da profissão e a cosmovisão cristã. Também, destaco desde já que não estou generalizando e vocês notarão que, em vários pontos, destaco que há psicólogos também com uma cosmovisão muito clara quando abordam o problema do ser humano. Aproveito para destacar que o resultado da entrevista foi muito positivo, gerando um bom debate entre essa pessoa amiga e seus colegas e professores, dando-lhe a oportunidade de apresentar a mensagem do evangelho para seus colegas de curso.
Recomendo especialmente a leitura do Ponto 5.
Qualquer opinião deixe seu comentário, que será muito bem-vindo.

1) Você conhece algum psicólogo ?
Sim. Tenho uma amiga muito próxima que é psicóloga. Outros conhecidos próximos (4) e também tenho amigos e conhecidos em diversas etapas do curso de psicologia. Particularmente chama-me a atenção que são todos do sexo feminino.

2) Você sabe o que faz um psicólogo? 
Em certo sentido acredito que sim (embora imagino que não conheça todos os campos de ação da área). A modo geral, entendo que o psicólogo estuda a relação do ser humano com o ambiente no qual este está imerso e, além disso, a relação do ser humano consigo mesmo. Quando digo relação, refiro-me a como estas interações o afetam em diferentes maneiras, tanto psíquica, física e em certos casos, dependendo das crenças do profissional, também espiritualmente.

3) Você conhece o campo de atuação do psicólogo?
Acredito que sim. Algumas áreas de atuação que conheço (embora possa estar usando termos não muito técnicos para denomina-las) são as seguintes:
a) Psicologia clínica: atendimento de diversos problemas comportamentais (por assim dizer) tais como: problemas familiares, problemas sociais, depressão, stress, e a lista seria interminável...
b) Psicologia laboral: avaliação de perfil dos candidatos (em diversos sentidos), todo o que seja relacionado com RH ou com aptidão para alguma determinada atividade (por ex. licença para dirigir, portar armas, etc.) Outras mais relacionadas a minha área laboral/pesquisa:
c) Psicologia industrial: curvas de aprendizado, adaptação ao ambiente de trabalho (relacionado à ergonomia tradicional e ergonomia cognitiva), trabalhos em equipes (cultura e clima organizacional, perfil dos membros, etc.), processos de tomada de decisão, etc.
Em todas estes temas há uma interface entre a psicologia e outras áreas disciplinares, principalmente das ciências sociais (foco no management).
d) Psicologia do marketing: comportamento do consumidor, preferências de produtos, etc. Tal como no item anterior, em todas estes temas há uma interface entre a psicologia e outras áreas disciplinares, principalmente das ciências sociais (foco no management).
e) Psicologia social: comportamentos sociais, valores culturais, etc.

4) Você já atuou em alguma atividade em conjunto com algum psicólogo?
Diretamente não, mas indiretamente sim. Tenho usado artigos acadêmicos de alguns jornais científicos da área de management com ênfase na psicologia, tais como: Applied Psychological Measurement; Human Factors; Organizational Behavior and Human Decision, Psychological assessment. Aliás, os psicólogos são muito bons nas pesquisas de ciências sócias em management, especialmente no que se refere a métodos de mensuração de variáveis relacionadas ao comportamento humano.

5) Você acredita na atuação e na necessidade de um psicólogo?
Em um sentido geral sim. Por exemplo, nas pesquisas de management e psicologia industrial, que são minhas áreas de interesse, valorizo muito a atuação dos psicólogos. Contudo, em algumas áreas de atuação tenho bastante receio sobre a atuação do psicólogo. Acho que vale a pena explicar melhor este ponto para ser claro: Eu sou cristão, evangélico reformado (base na teologia dos reformadores protestantes do século XVI, especialmente em Calvino) e acredito em Deus e em tudo o que a Bíblia fala a respeito dEle e do ser humano. Portanto, em alguns pontos vejo certo conflito entre a psicologia moderna e a concepção cristã do homem. Isto acontece especialmente no campo da psicoterapia. Muitos psicólogos partem do pressuposto que o ser humano é bom de nascimento e que as condições do ambiente (cultura, valores dos pais, etc.) são os que o transformam em um ser com transtornos. Por outro lado, a Bíblia parte de uma concepção oposta. Ela afirma que o ser humano nasce pecador, mau na sua essência, com uma tendência extremamente egoísta. As condições do ambiente, segundo a Bíblia, só acentuam aquilo que já é a essência natural do ser. Portanto, a forma de encarar o problema do ser humano da psicologia moderna e do cristianismo em alguns aspectos é completamente distinta. Vamos supor um caso extremo, o de uma pessoa que tem algum problema de conduta como a pedofilia. A psicologia tentará contornar o problema pressupondo que essa pessoa é boa na sua essência e que ela é apenas vítima de circunstâncias da sua vida que refletem a sua atitude. Por outro lado, o cristianismo encarará de outra maneira. Até certo ponto o cristianismo concordará que essa pessoa foi afetada por condições do entorno, mas o cristianismo enfatizará que essa pessoa está corrompida primeiramente na sua alma, como todos os seres humanos; e que essa atitude é simplesmente uma das tantas manifestações da corrupção interior do homem. Portanto, o cristianismo enfatiza que não há solução exterior, todas as medidas que a psicologia utilizará tratarão apenas o problema superficialmente. O cristianismo ensina que a única solução é dada em: 1) Um reconhecimento da pessoa na sua situação pecaminosa; 2) um arrependimento genuíno reconhecendo que ela está indo contra a vontade de Deus e 3) um reconhecimento que ela somente pode ser curada por meio da fé em Jesus Cristo, aceitando o perdão de Deus e a reconciliação com Ele que somente podemos obtê-la através da morte de Jesus na cruz por nós. Consideramos que a pessoa que alcança este entendimento o faz por uma obra sobrenatural do Espírito Santo no seu coração, que a regenera, a torna um novo ser, apto para toda boa obra, embora ainda lutando contra paixões pecaminosas. A partir desse ponto, a Bíblia sempre levará a pessoa a se auto-avaliar frente aos padrões morais estabelecidos por Deus e se ajustar continuamente a estes padrões. Este último ponto é o que nós chamamos de santificação da vida. Nestes aspectos interiores do ser humano psicologia e cristianismo divergem completamente.

 6) Você iria num psicólogo para realizar uma psicoterapia?
Somente se se trataria de problemas que nada tem a ver com a moral do ser humano: por exemplo: dificuldades de aprendizado, traumas e medos, algumas situações de insegurança. Mas em todos esses pontos também buscaria ajuda pastoral numa boa igreja. Por outro lado, problemas relacionados a situações claramente espirituais/morais, sempre recomendaria ou iria buscar ajuda num bom pastor evangélico que tenha uma sólida preparação teológica e um especial interesse pastoral pela vida das pessoas.  

7) Você indicaria um psicólogo para algum conhecido que necessitasse de ajuda para sair de uma crise familiar grave?
Não. Indicaria um bom pastor evangélico, isto é, alguém que conheça e maneje bem a Bíblia para conduzir a vida espiritual de uma pessoa ou uma família.

8) Qual a imagem que você tem de um psicólogo ?
Acho um pouco difícil esta pergunta por que isto depende muito de cada pessoa em particular. Conheço psicólogos cristãos que, embora sejam desta área, têm a mesma visão que eu apresentei aqui e, portanto, a forma como encaram o atendimento é diferente. Contudo, eu sei que não tenho uma ótima imagem dos psicólogos de maneira geral no que se refere à atenção clínica. Acho que grande parte dos problemas dos seres humanos, quanto a questões interiores do ser, começam na dimensão espiritual e uma boa parte dos psicólogos, por sua própria formação, tendem a negar isto, ou a minimizá-lo. Isto me faz ficar geralmente com receio quanto a alguns campos de atuação desta área. Contudo, sempre cuido em não generalizar e lembrar que muitos profissionais consideram a questão da moral do ser humano e as questões espirituais e reconhecem também a sua limitação para tratar estes assuntos dentro da sua área de atuação. Nesses casos, acho que um psicólogo com uma boa cosmovisão pode contribuir a reduzir comportamentos negativos, embora saiba que a verdadeira solução somente está no novo nascimento, na regeneração, que pode ser alcançada pelo arrependimento dos nossos pecados e a fé em Jesus Cristo como único e suficiente salvador de nossas almas.

quarta-feira, 20 de março de 2013

Sermão do Monte XXVI: A oração do Pai Nosso (Mateus 6.9-13)



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Capítulo XXVI

A oração do Pai Nosso

 

Alejandro G. Frank

Introdução

Neste capítulo estamos dando sequência ao estudo sobre a oração que começamos no capítulo passado. Anteriormente vimos em Mateus 6.5-8 como os hipócritas procediam equivocadamente com a oração, utilizando-a para seus próprios propósitos, para serem vistos e exaltados pelos homens. Já dissemos que a oração é um instrumento santo que pode ser corrompido nas mãos do ser humano pecador, sendo utilizada como meio para mostrar uma aparência de piedade meramente exterior. Como bem disse o Senhor Jesus em outra ocasião, tais atitudes são próprias de homens que se assemelham a sepulcros branqueados, pois externamente parecem bonitos, decorados e enfeitados, mas por dentro há morte e hediondez. Assim são aqueles que usam a oração para sua própria glória.
Por este motivo, o Senhor Jesus se preocupou também em deixar instruções sobre como seus discípulos devem orar da maneira certa. Já vimos sobre a atitude de isolamento e intimidade com o Pai, além da confiança e fé que precisamos quando nos achegamos a Ele. Ora, a oração foi um ponto tão importante da vida cristã para o Senhor Jesus que reiteradas vezes ele tratou sobre este assunto. Enquanto que em outros pontos ele destacou apenas os princípios, na oração ele desdobrou os pormenores. Foi assim que ele se preocupou em nos deixar inclusive um modelo de oração que mostra os principais pontos a serem abordados. Lucas 11.1 nos relata que em certa ocasião os discípulos de Jesus vieram a ele e lhe pediram que lhe ensinasse a orar, e ele os ensinou o mesmo modelo de oração apresentado na pregação do Sermão do Monte. Jesus não os repreendeu por eles não saberem como orar, antes os ensinou um modelo muito simples, mas com princípios extremamente profundos que abrangem todos os pontos essenciais da oração. No mesmo texto de Lucas 11.1 vemos também que João batista também se preocupou por ensinar seus discípulos a orarem. Orar corretamente é essencial para a vida cristã e, por tanto, precisamos aprender como Deus deseja que venhamos a ele na oração. Tiago 4.3 nos diz: “pedis e não recebeis, porque pedis mal, para esbanjardes em vossos prazeres”. Precisamos aprender como pedir, como orar, e como clamar ao Pai. Com este propósito Jesus ensinou o modelo conhecido como o Pai Nosso que consideraremos a continuação:
“Portanto, vós orareis assim: Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome; venha o teu reino; faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu; o pão nosso de cada dia dá-nos hoje; e perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós temos perdoado aos nossos devedores; e não nos deixes cair em tentação; mas livra-nos do mal [pois teu é o reino, o poder e a glória para sempre. Amém]!” (Mateus 6.9-13)

O Pai Nosso: um modelo de oração

Muitos têm usado esta oração como a única forma de oração pela que podemos chegar a Deus. Estes oram somente o Pai Nosso, pois acreditam que esta é a única oração que Jesus aceitou. Porém, notem que reiteradas vezes temos dito que se trata apenas de um modelo ou exemplo de oração que fornece os princípios gerais para qualquer oração. Qual é a base para interpretarmos o Pai Nosso como apenas um exemplo? Primeiro, é claro que Jesus disse: “Portanto, vos orareis assim...” (verso 9). Ora, isto pode significar que devemos orar somente assim ou que devemos seguir esse exemplo de oração como inspiração para a oração. Independentemente do caso, é claro que Jesus estava dando um exemplo que de alguma maneira deveria ser útil para seus discípulos, mas reforçando a nossa afirmação de ser apenas um modelo note que Jesus orou em diversas ocasiões de maneiras muito diferentes. Por exemplo, em algumas situações simplesmente levantou os olhos aos céus e clamou a Deus. Em outras ocasiões ele, com a mesma atitude, levantou o rosto e simplesmente agradeceu ao Pai com curtas palavras. Outras vezes, como na oração sacerdotal de João 17, vemos Jesus orando de uma maneira muito mais estendida. Enfim, em todos esses casos a sua naturalidade na oração e profundidade na comunicação com o Pai foi tão notória que seus discípulos chegaram e lhe disseram: ensina-nos a orar (Lucas 11.1), e Ele lhes deu este exemplo de oração, como se faz com uma criancinha pequena que ainda não sabe estruturar suas frases por si mesma e a ensinamos uma oração decorada. Em terceiro lugar, notem que temos alguns relatos da era apostólica em que os discípulos de Jesus oraram de maneira espontânea (por exemplo, em Atos 4.23-31). Terceiro, e reforçando o dito no segundo ponto, podemos dizer que não temos outro relato no Novo Testamento de alguém orar o Pai Nosso após este ensinamento de Jesus. Paulo orava por diversos pedidos específicos (veja, por exemplo, Efésios cap.1 e 1.Tessalonicenses cap.1). No entanto, não quero dizer que é errado orar em certas ocasiões o Pai Nosso, mas esta não é a única oração para nos aproximarmos de Deus, é apenas um modelo.
Depois de ter dado os nossos argumentos de por que esta oração é um modelo, falta explicar o ponto mais importante do argumento, que é este: por cima de todas as outras considerações, o Pai Nosso é um modelo ideal de oração porque em sua simplicidade cobre todos os aspectos possíveis envolvidos em uma oração.  A grandeza desta oração é que ela é curta e completa. É como se fosse um esboço, uma estrutura de oração, que nos traz todos os princípios necessários para orarmos ao Pai. Esta estrutura apresenta-se da seguinte maneira: Primeiro, há uma invocação que fixa o destinatário da adoração na oração. Posteriormente, Jesus apresenta três pedidos centrados em Deus e sua glória (versos 9 e 10), para depois apresentar três pedidos centrados nas necessidades humanas (versos 11 a 13). A seguir consideraremos todos esses pontos essenciais da oração.

O destinatário: invocação

A oração não começa com pedidos, mas com uma invocação. O Senhor começa: “Pai Nosso que estás nos céus” (verso 9b). Com isto, Jesus coloca toda a atenção em quem é o receptor de nossa oração. A oração não é à virgem Maria, nem aos santos da Igreja, nem a nenhum homem ou ídolo, mas apenas ao Pai que está nos céus. No modelo de oração temos o exemplo perfeito da santa Trindade em ação. É o Pai o receptor das orações, a quem vai dirigida a nossa oração. É o Filho Amado quem nos ensinou a orar e o nosso mediador, o único mediador, por quem somos capazes de chegarmos ao Pai, por meio do seu sacrifício mediador para que nossos pecados fossem perdoados e pudéssemos chegar à aceitação diante do Santo Pai (1 Timóteo 2.5-6; 1 João 2.1-2). E, por último, é o Espírito Santo que nos auxilia na oração, como a Bíblia nos ensina, acendendo esse desejo pela comunhão espiritual em nossas almas e inclusive nos auxiliando quando nem sabemos bem como orar (Romanos 8.26-27). Observem que há uma comunhão perfeita da Trindade no ato da oração, da mesma maneira que há uma comunhão perfeita da Trindade no ato da salvação: Deus Pai predestinou os que iriam ser salvos, Deus Filho fez o sacrifício pelos eleitos e Deus Espírito Santo faz a obra regeneradora para trazer os eleitos ao arrependimento e fé para salvação.
O fato de a oração começar com a invocação ao destinatário nos leva também a precisarmos meditar sobre o ato que estamos por efetuar. Precisamos nos acalmar para invocar a Deus. Geralmente queremos nos inclinar para rapidamente trazermos os nossos pedidos. Porém, é ao Santo Pai criador de todas as coisas que estamos nos achegando. Não se trata de um mero “amiguinho” ou “paizinho”, mas é Jeová dos Exércitos. Portanto, antes de começarmos precisamos pensar melhor o que dizer e como dizer em nossas orações. 
Por outro lado, também podemos chegar confiantes, pois é “ao Pai” que estamos chegando e não a um deus alheio. Este trato de Pai implica em que podemos chegar a Ele com confiança, sabendo que Ele tem e quer o melhor para nossas vidas. Também implica em esta oração é somente possível para aqueles que foram salvos pela fé em Jesus Cristo, pois somente esses são considerados na Bíblia como filhos de Deus, adotados pelo Espírito Santo. O restante da humanidade não é tratado como filho, apenas como criação de Deus.
Também, Jesus acrescenta “Pai Nosso que estás nos céus”. Este ponto é muito importante, pois marca uma grande diferença com o conceito distorcido de paternidade que nós, humanos, temos. Deus não é um pai falho como um pai terreno, mas perfeito, fiel, justo, imutável, amoroso, benigno e tantas outras virtudes que lhe são próprias dos seus atributos celestiais. Isto deveria ser um consolo para todos aqueles que não têm um pai cristão aqui nessa terra, ou também para aqueles que já não têm mais seus pais por terem morrido. Não estamos sós. Temos um Pai perfeito nos céus. Ele nos ama e nos acolhe, nos aconselha e nos guia. Portanto, não fique triste pensando que você está sozinho, mas lembre: “eu tenho um Pai prefeito que está nos céus e que desde lá sempre me vê e me acompanha”. Isto tem sido um grande consolo para mim como homem, marido e, se Deus assim o permitir, futuro pai dos meus filhos. Eu sei que não estou sozinho, que tenho uma figura paternal perfeita, e que posso me espelhar nesse pai perfeito para me moldar como homem. Oh que grande consolo que as Escrituras nos dão!

Adoração

Temos dito anteriormente que após a invocação há três pedidos relacionados à adoração (versos 9c-10). Assim como nas bem-aventuranças, aqui também há uma sequência bem estabelecida. Antes de serem apresentados os três pedidos para as nossas necessidades, primeiro vem a nossa adoração a Deus. Esta se apresenta das seguintes formas:

A-     Santificado seja teu nome

O primeiro (verso 9c), é um pedido para que o nome de Deus seja santificado, isto é, para que seja reverenciado, considerado santo. As Sagradas Escrituras ensinam claramente que Deus é Santo, que seu nome é Santo, e que não precisa ser santificado em si mesmo. Mas o sentido aqui é o de pedirmos que Seu nome seja santificado em nossas vidas. Em certo sentido, os judeus entendiam bem o significado, pois eles tinham um grande temor e reverência pelo nome de Jeová. Muitas vezes os cristãos de nossos dias esquecem a santidade do nome de Deus e o usam em vão. Frases como “Deus meu!”, “meu Jesus!”, “Jesus Cristo!”, “Deus me livre!”, têm se tornado banal e são usadas para qualquer propósito sem o devido respeito ao terceiro Mandamento (Êxodo cap.20). Muitos nem se importam de jurar em vão pelo nome de Deus ou de quebrar um juramento feito no nome de Deus. Estas são formas em que, ao invés de o nome de Deus ser santificado, é banalizado e blasfemado entre os homens. Ora, alguém pode estar pensando: por que tanta importância dada ao nome de Deus? É porque Deus se deu a conhecer através do seu santo nome. A Bíblia nos ensina que o nome de Deus significa tudo o que Ele representa junto com todos seus atributos. É através do seu nome que ele se fez conhecer e não pela imagem visível. Todos os povos da terra tremiam diante do Deus YHWH (Javé ou Jeová) dos judeus. Eles ouviam falar dele e se espantavam de medo. E esse nome significa “Eu sou o que Sou/será”, ele simplesmente é, Ele autoexiste, Ele é eterno, Ele é a plenitude, é a perfeição. Portanto, seu nome deve ser santificado.
Contudo, outro aspecto muito importante é que este pedido inclui o desejo que seu nome seja, de fato, santificado no sentido de glorificado entre os homens. O próprio Senhor Jesus sempre se preocupava de dar glória ao Nome do Pai (veja por exemplo João 17.4-6). No sentido prático, trata-se de vivermos de maneira tal que as pessoas que nos vêm vivendo como cristãos não tenham o que reclamar de nós. Paulo disse em Romanos 2.23-24: “Tu, que te glorias na lei, desonras a Deus pela transgressão da lei? Pois, como está escrito, o nome de Deus é blasfemado entre os gentios por vossa causa”. Cada vez que nos comportamos de uma maneira incorreta diante dos homens, sendo cristãos, estamos desonrando o nome de Deus, e deixamos de santificar o seu nome. Por isso a importância de clamarmos: Santificado seja o teu nome!
Temos esse anelo? Será que estamos realmente preocupados com a glória de Deus em nossas vidas? Como isto impacta no nosso redor, nas pessoas que convivem conosco? São elas que deveriam avaliar e dizer se realmente vivemos para honrar o nome de Deus. Além disso, o fato de sabermos que o mundo jaz no maligno e que, portanto, o nome de Deus não está sendo glorificado entre as nações, deveria nos levar a um maior zelo evangelístico. As missões evangelísticas não devem estar focadas em primeiro lugar na necessidade de salvação dos homens, mas na necessidade da glorificação do nome de Deus entre as nações. Isto trará não apenas quantidade de convertidos, mas qualidade, pois não se tratará apenas de pessoas se batizarem, mas pessoas se converterem dos seus pecados para uma vida santa que glorifique o nome dEle.

B-     Venha o teu Reino

Ora, se temos um grande desejo pela glória de Deus manifesta nas nossas vidas e na face da Terra, este desejo nos levará naturalmente ao segundo pedido: “venha o teu Reino” (verso 10a). Como cristãos conhecedores da realidade humana e da existência do pecado, sabemos que Deus não está sendo completamente santificado e glorificado nesta Terra. Também sabemos que até os fins dos tempos o mal existirá e que, conforme as Escrituras, este será cada vez maior e mais generalizado. Portanto, basta implorar e clamar a Deus: Venha o teu Reino. Somente quando Cristo voltar e colocar até o último inimigo debaixo dos seus pés o nome de Deus será exaltado e glorificado completamente. Hoje há outro reino governando esta terra. “O mundo jaz no maligno” (1.João 5.19). Nós somos de outro reino, somos um povo subversivo semeando infiltradamente as sementes do evangelho. Mas um dia esse Reino virá.
Este clamor deve nos levar a desejar esse reino futuro. Há pessoas cristãs que têm uma visão de conquistar o mundo. Há quem acredite que antes da volta de Cristo todas as pessoas se converterão ao Evangelho. Mas isto não condiz com tal pedido da oração do Pai Nosso. Cabe a nós anunciarmos o evangelho e orarmos desta maneira clamando para que Ele seja glorificado e para que seu Reino seja instaurado eternamente. Temos esse desejo? Estamos prontos para sua vinda e para clamarmos para que isto aconteça?

C-     Faça-se a tua vontade

Bem, chegamos à conclusão dos três pedidos de adoração. Vejamos a sequência: desejamos que seu nome seja santificado. Como sabemos que hoje não é possível que isto aconteça totalmente, desejamos que venha seu Reino. Por fim, a conclusão é que também desejamos que se faça a sua vontade perfeitamente: “Faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu” (verso 10b). Isto significa que desejamos que Ele governe soberanamente sobre todo o universo. A Bíblia ensina que Deus é soberano e que inclusive o mal que acontece contra a sua vontade, não acontece sem a sua permissão. Porém, o desejo do crente é que reine a justiça e a paz, e que este mal seja erradicado.
É fácil falarmos desta vontade de Deus em um sentido bem geral. Ora, se pedimos isto também estamos nos incluindo na petição. O nosso primeiro desejo deveria ser que sua vontade reine soberanamente sobre nossas vidas. Que nada do que façamos seja contrário a seu desejo e que, por conseguinte, possamos viver como santos nesta terra. Hoje é muito comum escutarmos falar no meio cristão sobre os sonhos que cada um tem para sua vida. Que temos que lutar por nossos sonhos e que Deus os cumprirá. Mas esta oração é contrária a tal pensamento. Não são os nossos sonhos os que interessam, mas a vontade de Deus. Nosso maior desejo deve ser que seja o desejo dEle o que molde os nossos próprios desejos. Isto é, submissão e confiança plena em que a vontade de Deus é o melhor para nossas vidas. Estamos dispostos a orarmos assim?

Petições

Após a oração focar na adoração ao Pai, o Senhor Jesus desenvolve três pedidos centrados nas necessidades humanas (versos 11 a 13). Esta parte contempla três necessidades centrais, que estão equilibradas com as três petições de adoração. A grandeza dos três pedidos que veremos a seguir é  que eles envolvem os pontos mais essenciais para a vida do cristão. Há aqui uma maravilhosa sequência de prioridades, em uma ordem muito precisa. A primeira vista poderíamos pensar que esta ordem não apresenta as prioridades reais, pois ao invés de começar pela questão do pecado, começa pelo pedido do pão diário. Porém, logo veremos que há um motivo muito sensato nesta ordem oferecida por Jesus na sua oração.

A-     O pão de cada dia

O primeiro pedido pessoal que Jesus apresenta neste modelo de oração é “o pão nosso de cada dia, dá-nos hoje (verso 11)”. Isto é um reconhecimento da necessidade do sustento diário, da dependência diária que temos de Deus. Para o cristão, isto representa uma atitude de grande humildade. O mundo não quer depender de um ser superior para seu sustento. Muitas vezes ouvi na faculdade pessoas dizendo que tínhamos que estudar para não depender de ninguém. Em certo sentido é verdade, mas em um sentido mais profundo sabemos que, por cima de tudo, mesmo estudados e com profissões, dependemos do sustento que Deus nos dá a cada dia. Há, portanto, neste pedido, um reconhecimento de que nossa vida material depende totalmente dAquele que nos fornece todas as coisas. Somos como crianças que esperam que seus pais os alimentem e os forneçam do necessário para viver.
Chama a atenção também que Jesus não disse “dá-nos sempre nosso pão”, nem “não nos deixes faltar nunca o nosso pão”. Ele disse “o pão nosso de cada dia, dá-nos hoje”. É hoje que precisamos desse pão. Ele não está pedindo nem mais e nem menos daquilo que precisamos para hoje. Isto nos recorda do Maná, dado ao povo de Israel durante o deserto. Eles tinham que recolher o Maná a cada dia. Não podiam recolher a mais para os dias seguintes, não podiam acumular. Apenas podiam recolher aquilo que precisavam para esse dia. Certamente a tentação estava ai, e a Bíblia nos relata que alguns tentaram recolher a mais, mas o alimento pereceu. Com isto, Deus estava lhes dando uma grande lição: eles deviam aprender a depender dEle completamente. Eles precisavam aprender a ter fé que Deus lhes proveria no dia seguinte o Maná que precisavam para esse exato dia, nem mais, nem menos. Com isto Deus lhes ensinava a se lembrarem a cada dia da dependência dEle e a buscarem a cada dia o favor dEle. Por esta mesma razão, no Pai Nosso, a cada dia precisamos rogar “o pão nosso de cada dia, dá-nos hoje”. Temos um pai que se agrada em atender a este pedido e podemos confiar em que ele é capaz de nos suprir todas as nossas necessidades básicas da vida. Isto é um grande consolo para o cristão!
Também, notem que é pelo pão que Jesus ensina a orar, e não por outros alimentos mais luxuosos. O pão era o alimento básico da época de Jesus. O pão até hoje simboliza uma necessidade essencial para a sobrevivência humana nesta terra. O crente precisa vir até Deus em oração pedindo pelas suas necessidades essenciais. Tudo o que for acrescentado a isto é graça sobre graça dada por Deus. Lembre o que nos deixou escrito Tiago: “pedis e não recebeis, porque pedis mal, para esbanjardes em vossos prazeres” (Tiago 4.3). Não é pelos prazeres que devemos clamar e rogar a Deus, isso é cobiça, são desejos desordenados. Este ensinamento é totalmente contrário à teologia da prosperidade que promete riquezas aos crentes fiéis. Não é isto o que encontramos nas orações de Jesus.
Por último, uma pergunta poderia ser muito válida a estas alturas: se estamos considerando agora as necessidades pessoais, porque começar pelo pão diário e não pelo perdão de pecados que vem na sequência (verso12)? O Dr. Lloyd-Jones afirma que esta sequência é muito correta, pois antes de rogarmos por nossa alma, precisamos estar vivos e, para estarmos vivos, precisamos do sustento diário. Como bem disse o salmista “Os mortos não louvam o SENHOR, nem os que descem à região do silêncio” (Salmo 115.17). Claro que o salmista se refere a louvar nesta terra e nada tem a ver aqui com os mortos estarem na glória louvando a Deus. Para vivermos nesta terra em santidade, livres do pecado, como o próximo ponto da oração do Pai Nosso considera, primeiro precisamos viver e sermos sustentados com o pão diário. Então, o clamor é para que Deus nos mantenha vivos, para que possamos então sim louvá-lo e servi-lo com santa devoção.

B-     Perdoa nossas dívidas

Uma segunda necessidade do cristão é a do perdão diário por parte de Deus: “e perdoa-nos as nossas dívidas; assim como nós temos perdoado aos nossos devedores” (verso 12). Observem que estas palavras eram dirigidas aos discípulos de Cristo. Consequentemente, não se trata aqui de arrependimento para salvação, mas do reconhecimento diário do nosso estado decaído diante da santidade de Deus. O Pr. Paul Washer sempre menciona nas suas pregações evangelísticas que uma das principais marcas do crente verdadeiro não é que ele um dia se arrependeu e creu em Jesus Cristo (note o tempo passado da conjugação), mas que ele dia-a-dia se arrepende mais e mais dos seus pecados e crê que Jesus Cristo é a sua única solução para ser aceito diante de Deus (note o tempo presente na conjugação). À medida que crescemos na fé cristã, conhecemos mais de perto a Deus e, consequentemente, nos conhecemos cada vez melhor a nós mesmos e a nosso estado decaído. Conhecemos mais sobre o quão longe ainda estamos do padrão de santidade perfeita de Jesus, conhecemos mais da nossa natureza e nossas atitudes muitas vezes egoísta e mesquinha. Nada mais nos resta que dizer: “perdoa as nossas dívidas”. E ainda acrescentar a oração do salmista: "Quem há que possa discernir as próprias faltas? Absolve-me das que me são ocultas" (Sl 19, 12), reconhecendo que nem sabemos todas as faltas que muitas vezes cometemos.
Um segundo aspecto deste pedido tem trazido muitas discussões e más interpretações. É o trecho que diz: “assim como nós temos perdoado aos nossos devedores” (verso 12b).  Mais adiante (outro capítulo do estudo), quando entremos no estudo do verso 14, teremos muito mais a dizer a respeito. Porém, não podemos deixar passar por alto pelo menos algo sobre este ponto. Algumas pessoas acreditam que o Pai Nosso não se aplica a nossa era da graça porque entendem que este trecho rata do perdão de Deus baseado nos méritos humanos. É como se disséssemos que Deus deve nos perdoar porque nós perdoamos primeiro aos nossos irmãos. Porém, observe que Jesus não disse “perdoa-nos porque perdoamos” nem “perdoa-nos com base no fato de que perdoamos”. Ele disse “assim como nós perdoamos”. Esta expressão não tem conotação de medida, não quer dizer que Deus tem que nos perdoar na quantidade e qualidade do nosso perdão. Não se trata de proporções comparativas, mas apenas em comparações fatuais. Isto é, Deus perdoa e nós também, como filhos dele, perdoamos. Muitas vezes se perde de foco a principal lição que Jesus está colocando aqui, a qual nada tem a ver com questões de méritos para o perdão. É uma lição muito mais simples que ele quer nos dar: Não podemos ter a pretensão de sermos perdoados por Deus se nós não temos o interesse e nem estamos dispostos a perdoar aos nossos próximos. Esta é a lição maior do ponto em questão. Nossa vida tem que ser coerente. Não podemos jogar pedras e esperarmos que nos joguem flores! É a regra de ouro que Jesus ensina mais adiante no mesmo sermão: “Tudo quanto, pois, quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós também a eles” (Mateus 7.12). O mesmo se aplica na relação com Deus. Não podemos nos achegar a Deus pedindo pelo seu perdão diário e sermos no dia-a-dia pessoas duras e sem compaixão. Isto é incoerente.

C-       Não nos deixes cair na tentação

O último pedido é “e não nos deixes cair na tentação; mas livra-nos do mal” (verso 13). Que grande lição podemos ter diante deste pedido! É muito mais fácil para nós orarmos pedindo perdão quando pecamos do que ficarmos em oração vigiando para não pecar. Veja que no ponto (b) consideramos o pedido de perdão. Mas quantos de nós, após sermos perdoados por Deus, perseveramos em oração para não voltarmos a cair no mesmo pecado? Este pedido nos ensina a não abaixarmos os braços e seguir lutando contra o pecado que nos assedia dia-a-dia.  Por conseguinte, este é um pedido “preventivo” (i.e. antes que um pecado ocorra), enquanto que o anterior é um pedido “corretivo” (i.e. quando um pecado ocorreu).
Por outro lado, este pedido não foca apenas no pecado consumado, mas o clamor é “livra-nos da tentação”, isto é, da prova que pode se consumir em um pecado. O crente deve desejar fugir de qualquer risco de cair em pecado. Ele não deve querer lutar contra o pecado, mas estar muito longe dele. Como bem instruiu Paulo ao jovem Timóteo quando disse: “Foge também das paixões da mocidade; e segue a justiça, a fé, o amor, e a paz com os que, com um coração puro, invocam o Senhor” (2 Timóteo 2.22). Contudo, sabemos que há situações onde Deus permite que sejamos tentados, como no caso da vida de Jó. Embora como crentes não desejemos a tentação, muitas vezes através dela, é quando nos achegamos mais a Deus para vencê-la, nos tornamos mais maduros. Outros, com suas quedas e feridas produzidas pelo próprio pecado, tem experimentado mais de perto o amor misericordioso de Deus que os tem aceitado novamente. Enfim, sabemos que devemos evitar as tentações, mas quando estas vierem podemos nos lembrar das palavras ditas por Paulo: “Não vos sobreveio tentação que não fosse humana; mas Deus é fiel e não permitirá que sejais tentados além das vossas forças; pelo contrário, juntamente com a tentação, vos proverá livramento, de sorte que a possais suportar” (1 Coríntios 10.13).
Mas o pedido não é apenas pela tentação. Jesus acrescenta: “mas livra-nos do mal” (verso 13). O que é o mal do qual precisamos ser livrados? Em Efésios 2.1-3 Paulo fala sobre três tipos de mal contra o qual combatemos. Primeiro, é claro que uma forma do mal é o Príncipe da Potestade do Ar, como diz em esse texto. É o Maligno, o Diabo, o Pai da Mentira, Satã ou Lúcifer. É claro que ele é o nosso principal inimigo e o destruidor desde o princípio. Porém, não temos que nos preocupar somente com ele, na verdade, a Bíblia nos diz que ele já foi vencido e lhe resta pouco por fazer. A segunda forma do mal que Paulo menciona nesse texto é “o mundo”, entendendo-se neste sentido ao “sistema” que rege o mundo e que se opõe a Deus. São as tendências progressistas pró-homossexualismo, pró-libertinagem, contra a família e contra as bases da religião. É também tudo o que o mundo nos oferece, como no livro “O Peregrino” de John Bunyan é ilustrado por meio do mercado das vaidades. Por fim, a terceira forma de mal, a mais sutil e não menos importante, que Paulo apresenta nesse texto é a nossa “carne”, isto é, as nossas próprias paixões e pensamentos pecaminosos. Muitas vezes o maior dos nossos inimigos somos nós mesmos. Portanto, contra todas estas formas do mal temos que estar vigiantes e em oração. Tal como disse o nosso Senhor antes de morrer, em Getsêmani: “Vigiai e orai para que não entreis em tentação; o espírito, na verdade, está pronto, mas a carne é fraca” (Mateus 26.41).

Conclusão

O final da oração do Pai Nosso conclui com uma exaltação de adoração tal como no início. Neste caso, o Senhor usa a seguinte expressão: “pois teu é o reino, o poder e a glória para sempre. Amém!” (verso 13b). Esta conjunção “pois”, utilizada na invocação final, é importante para a nossa confiança na oração. Quer dizer que cada um dos pedidos que fizemos nesta oração é possível fazermos ao Pai e esperarmos que ele as cumpra “pois” dele é o reino, o poder e a glória para sempre. Podemos ter fé e segurança em essa oração “pois” ele é soberano e capaz de realiza-las. Nada há que detenha a sua vontade soberana. Que grande consolo e alegria para cristão! Oxalá cada um de nós possa orar com esta devoção e seguindo este modelo de oração. Que este modelo possa nos levar a uma intimidade de oração cada vez maior com o Pai e que clamemos junto aos discípulos pedindo a nosso Senhor: “Ensina-nos a orar”. Sim, ensina-nos a orar, bendito Senhor! Amém.