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sábado, 25 de maio de 2013

Sermão do Monte XXVII: O crente e o jejum

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Capítulo XXVII

O crente e o jejum

Alejandro G. Frank

Introdução

Começamos um novo capítulo do Sermão do Monte, ainda no desdobramento dos princípios ensinados pelo Senhor Jesus no capítulo 6 de Mateus. Em estudos anteriores vimos que Jesus apresentou um princípio geral, no verso 1: “Guardai-vos de exercer a vossa justiça diante dos homens, com o fim de serdes vistos por eles; doutra sorte, não tereis galardão junto de vosso Pai celeste”. A partir desta advertência em relação à falsa imagem de justiça e religião, aquela que busca a glória e o reconhecimento dos homens e não de Deus, Jesus passa na sequência a desdobrar tal ensino em diferentes aplicações práticas que abrangem três aspectos básicos da vida. Já vimos duas delas: a primeira trata sobre como dar esmolas glorificando a Deus e não a nós mesmos (versos 2 a 4) e, portanto, trata sobre os aspectos materiais na vida religiosa; e a segunda trata sobre como orar glorificando a Deus e não a nós mesmos (versos 5-14), o que alude aos aspectos espirituais na vida religiosa.
Estamos agora frente a uma nova aplicação, a última das três dadas por Jesus no Sermão do Monte. Esta nova aplicação trata sobre como fazer jejum para glorificar a Deus e não a nós mesmos e, consequentemente, aborda o aspecto físico do ser humano diante da vida religiosa. Vejamos o que nos diz este ensino:
“Quando jejuardes, não vos mostreis contristados como os hipócritas; porque desfiguram o rosto com o fim de parecer aos homens que jejuam. Em verdade vos digo que eles já receberam a recompensa. Tu, porém, quando jejuares, unge a cabeça e lava o rosto, com o fim de não parecer aos homens que jejuas, e sim ao teu Pai, em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará.” (Mateus 6.16-18)
Vemos novamente mais um exemplo de falsa aparência de piedade e religião utilizada pelo homem hipócrita. O verdadeiro intuito dos hipócritas com o jejum não era agradar a Deus, mas serem louvados diante dos homens pela piedade com que realizavam esta prática. Mas Jesus se preocupou com seus discípulos, para que estes aprendessem a prática correta que agrada a Deus.

Atitudes negativas contra o jejum

O jejum é uma prática muito comum em praticamente todas as religiões do mundo. Há religiões que são muito rigorosas com tais práticas e guardam datas específicas do ano para realiza-las. Parece ser que o jejum é um aspecto quase central e comum em todos os tipos de adorações do ser humano. Há pessoas que o fazem para serem agradáveis a seus deuses, outras para pagar votos de promessas, outras para alcançar perdão e outras podem fazê-lo para serem respeitadas como piedosas diante dos homens, como no caso lido neste texto. É por tal motivo que muitas vezes o jejum é desconsiderado e até desprezado no meio evangélico. Todas essas confusões a respeito do jejum têm gerado muitas vezes uma resistência a realizar esta prática. Já ouvi argumentos de cristãos tais como “fazer jejum só leva à loucura das pessoas, para que estas imaginem que vêm anjos e visões”, ou “não há apoio nas epístolas para que as igrejas dos gentios pratiquem o jejum, isto era somente uma prática judaica”. Estes tipos de reações acredito que sejam influenciadas não apenas pelas práticas de outras religiões, mas também por muitos excessos que aconteceram e seguem acontecendo dentro do próprio seio do cristianismo. Por exemplo, na idade média era muito comum algumas pessoas alucinarem e terem visões de profecias totalmente contrárias às Escrituras. Muitas dessas visões eram realmente fundadas em mentes místicas, somadas aos excessos da prática do jejum. Também podemos ver algo similar até hoje em algumas linhas do pentecostalismo. Porém, não podemos usar estes aspectos como base para a nossa argumentação conta tal prática e a seguir explicarei o motivo.
Em primeiro lugar, quem estiver acompanhado nossos estudos sobre o Sermão do Monte, poderá lembrar alguns princípios que já vimos que nos impedem de reagir de tal maneira. O Evangelho de Jesus Cristo não é uma reação negativa a todo vento de doutrina que encontramos por ai, em outras religiões. Cristo veio nos ensinar a verdadeira religião. Ele veio nos trazer a mensagem de boas novas. Portanto, o Evangelho não consiste em reações, mas em ações concretas que busquem a glória de Deus. Se pensarmos desta maneira, a nossa principal questão não será se o jejum é praticado por outras religiões que o interpretam de maneira errada. A nossa principal questão será se o jejum é realmente uma prática instruída por Deus e se ele realmente se agrada em que a pratiquemos. Vejam que a mensagem do Evangelho nos leva a olhar para Cristo, de maneira que entendamos a vontade do Pai. Isto nos liberta de muitos preconceitos e entendimentos errados. É comum encontrar cristãos que constroem sua teologia baseada no que há de errado por ai. O fundamentalismo distorcido (não o movimento original) foi radicalmente contra as bebidas alcoólicas, muitas vezes utilizando argumentos bíblicos para isto. O que eles fizeram foi criar uma doutrina baseada nos aspectos negativos da sociedade. Havia grandes problemas sociais em relação ao álcool nos Estados Unidos, porém, a Palavra de Deus nunca condenou essas bebidas, apenas a embriaguez. Eles perderam o foco do Evangelho, que visa o domínio próprio e que consequentemente é contra a embriaguez, e construíram o ensinamento em base à situação social do momento. Isto tem acontecido com as músicas, com as vestimentas e com muitas outras coisas. O jejum não é uma exceção.
Em segundo lugar, explicamos várias vezes ao longo do estudo do Sermão do Monte que os ensinamentos dados por Jesus são para seus discípulos em todos os tempos. Eles contêm os aspectos essenciais para a vida cristã do ser humano. Não é um tratado sobre aspectos meramente judaicos, mas um ensinamento sobre como os discípulos de Cristo devem viver. Novamente aqui temos um aspecto positivo ao invés de negativo: “quando jejuardes” (v.16a). Há pessoas que entendem o Sermão do Monte como se este apenas fosse um ensinamento para nos condenar, para nos mostrar quão longe estamos dos padrões de Cristo. Se olharmos do ponto de vista negativo podemos afirmar que isto é verdade, não discordo disso. Como seres humanos caídos, somos incapazes de vivermos uma vida perfeitamente santa diante de Deus, senão não precisaríamos da graça diária de Deus dada pelo sacrifício do seu Filho. Não obstante, o Sermão do Monte foi primeiramente pregado para homens que creram em Jesus como sendo o Messias. Foi dado a seus discípulos. Cremos que tais pessoas são as que foram regeneradas e têm o auxílio e o poder do Espírito Santo para viver uma vida conforme a vontade de Deus, mesmo que sendo imperfeitos. Nosso alvo é a santidade, e o Sermão do Monte nosso instrutivo. Portanto, eu diria que o Sermão do Monte com todos seus ensinamentos é uma mensagem do Evangelho para o homem sem Cristo, para que este veja quão imperfeito e pecador é e que não consegue ser salvo por suas próprias obras e, também, é uma mensagem do Evangelho para o homem com Cristo, para que este veja como deve se conduzir e viver como cristão nesta terra, sendo luz do mundo e sal da terra. Portanto, se o jejum foi dado neste contexto, entendemos que ele é também para nós hoje.
Além disso, temos mais argumentos para dar àqueles que dizem que o jejum é coisa do Antigo Testamento e dos judeus. Considere por exemplo o texto de Marcos 2.18-20. Jesus foi questionado do por que seus discípulos não jejuavam e os de João sim. Jesus lhes respondeu dizendo: “Dias virão, contudo, em que lhes será tirado o noivo; e, nesse tempo, jejuarão”. Ele, Jesus, é o noivo da sua igreja, a noiva. Ele diz que quando ele não estaria mais, seus discípulos jejuariam. Por acaso se trata dos três dias em que ele esteve morto? Acredito que seja mais natural entender o texto como sendo o tempo posterior, a era da Igreja de Cristo, onde ele não está mais presente fisicamente. Esse tempo inclui hoje, até a sua vinda em poder e glória. Ainda, temos também relatos em Atos dos apóstolos dos primeiros discípulos jejuando. Por exemplo, em Atos 13.1-4 eles estavam em continuo jejum e oração e quando tiveram uma missão diante deles jejuaram mais uma vez ainda, sempre acompanhado de orações.
Tendo dito isto, agora buscaremos entender a questão do jejum e a sua importância para nossas vidas cristãs.

Entendendo o jejum nos tempos bíblicos

Para entendermos como o Senhor espera que seus discípulos pratiquem o jejum, primeiramente precisamos entender do que se trata o jejum. Podemos dizer que em todos os casos bíblicos o jejum significa abstinência de alimentos e, em alguns casos, abstinência total (inclusive líquidos). Em outros casos se trata de abstinência de alimentos especiais ou deleitosos. Em todos os casos, esta abstinência tem um propósito muito claro e especial: a dedicação espiritual para se consagrar a Deus mediante a meditação e oração. Hoje escutamos pessoas que dizem fazer jejum de assistir TV, jejum de vídeo games e internet, jejum de atividades, etc. Acredito que seja muito bom pararmos de vez em quando de muitas coisas que nos desconcentram ou que nos seguram quase como um vício, mas isso não significa que estamos jejuando conforme o ensinamento bíblico.
Na Bíblia encontramos muitos exemplos de jejum no sentido estrito de abstinência de alimentos, sempre com um propósito bem claro e definido. Vejamos alguns exemplos:
·         Ester 4.16 e Esdras 8.21-23: Jejum por pedido de direção e graça de Deus para uma missão.
·         2 Samuel 12.16: Davi jejua pedindo misericórdia de Deus pela vida do seu filho recém nascido.
·         2 Crónicas 20.2-3: Josafá jejua pedindo socorro a Deus por causa dos seus inimigos.
·         Jeremias 36.7-8: É anunciado um jejum geral do povo, para apregoar um arrependimento nacional, para preparar nesse arrependimento às almas para buscarem a Deus e ouvirem a sua palavra por meio da leitura da lei.
·         Neemias 1.3-6: Neemias jejua para interceder e confessar os pecados do seu povo.
·         Lucas 2.36-38: Ana servia no templo por meio dos jejuns e orações, para sua dedicação total à adoração a Deus.
Todavia, o maior exemplo de jejum, descrito na Palavra de Deus, se encontra em Mateus 4.1-11. É o jejum de quarenta dias que Jesus fez no deserto como preparação para o início do seu ministério. Foi um tempo de preparação especial que Jesus teve que passar. Ele se preparou em jejum durante todo esse tempo e no final chegou a prova, a tentação de Satanás. O jejum é apresentado neste texto como elemento essencial da preparação de Cristo para enfrentar a tentação e começar após isso seu difícil ministério.
Bem, mas considerando todos esses casos podemos nos preguntar: qual é o propósito do jejum? Para que jejuar? Não era suficiente em todos esses casos citados apenas a oração e meditação? Por que passar fome? Acredito que a resposta mais clara a estes interrogantes esteja no texto de Esdras 8.21-23: “Então, apregoei ali um jejum junto ao rio Aava, para nos humilharmos perante o nosso Deus, para lhe pedirmos jornada feliz para nós, para nossos filhos e para tudo o que era nosso”. Esdras coloca claramente o propósito primário e o propósito final do jejum que realizaram. O propósito final que eles tinham era pedir uma jornada feliz para todos eles na viagem que tinham que realizar. Isso é o que eles queriam pedir a Deus, o que eles esperavam receber graciosamente do Senhor. Ora, Esdras diz que para isso eles jejuaram. Por que jejuaram? Ele diz: “para nos humilharmos perante o nosso Deus”, este era o propósito primário do jejum e, através dele, eles esperavam alcançar o favor de Deus e ter uma jornada feliz. Seguindo este texto podemos ver que o propósito do jejum é a humilhação diante de Deus. Mediante o jejum reconhecimentos a nossa dependência e miséria diante dEle. Não obstante, o jejum não tem o propósito de manipular ao Senhor, nem garante que a nossa oração será atendida conforme nossos desejos. Em 2.Samuel 12.15-25 podemos encontrar um bom exemplo disto. Nesse texto vemos que o filho recém-nascido de Davi adoeceu gravemente. Davi começou orar e jejuar pela vida da criança, mas o Senhor não lhe concedeu o pedido de Davi e a criança morreu. Davi não pode torcer a decisão de Deus, mesmo tendo orado e jejuado.
Uma segunda pergunta que pode surgir em base ao exposto é a seguinte: Por que esta humilhação tem que vir por meio da abstinência dos alimentos? Não é suficiente a oração? Já vimos no estudo sobre a oração que esta também nos leva a nos humilharmos diante de Deus. Porém, deixem-me lhes explicar melhor o porquê do jejum como humilhação especial: Jejum significa abstinência de alimentos. O alimento é a essência da força humana. Através dos alimentos temos as forças necessárias para empreendermos qualquer desafio. Notem que quando Deus quis ensinar ao povo de Israel a dependerem dele, ele o fez através do alimento, dando-lhes o Maná. O Maná, o alimento diário de Deus para seu povo, era um símbolo da dependência de Deus na peregrinação pelo deserto. Para o ser humano é humilhante depender de um Ser superior que lhe providencie o sustento e assim Deus usou este método de ensino para seu povo aprender a humildade e dependência. Assim sendo, vemos que o jejum nos leva a um estado de fraqueza, pois ficamos sem o essencial para a vida. Por outro lado, o jejum nos leva a um estado de fortaleza espiritual, pois nos aproxima mais da presença de Deus, através da dependência dele. O jejum nos ajuda a lembrarmos durante todo dia aquilo que estamos trazendo em oração diante de Deus. Também nos enfraquece, de maneira que não tenhamos forças para o trabalho e atividades rotineiras e, assim, possamos refletir mais sobre nós e nosso estado espiritual. Observe um detalhe sobre esta última afirmação: o jejum envolve sempre um estado meditativo, reflexivo. Sempre que vemos na Bíblia um homem ou uma mulher jejuando, podemos vê-lo num estado de reflexão, de separação, de oração e de humilhação. Não podemos encarar o jejum como uma atividade externa, mecânica e prática. O jejum é um meio para nos aproximarmos a Deus e com tal atitude devemos abordá-lo.
Outro propósito que podemos encontrar no jejum tem a ver com a disciplina do ser humano como um todo. A Bíblia nos diz que o ser humano é corpo, mente e espírito. O ser humano é uma unidade entre essas partes, embora a tendência humana seja exaltar a matéria, o corpo. Neste caso, o jejum é uma disciplina por meio da qual reduzimos esta parte da unidade do ser humano, tornando-nos fisicamente fracos, e exaltando o espírito, por meio da meditação e oração.   Vemos isto na preparação para o ministério de Jesus. Ele jejuou no deserto e passou fome, ficou fraco. O seu estado de humilhação se tornava maior ainda, Satanás tentou usar este ponto tentando-o a transformar as pedras em pão. Como é possível que o Deus encarnado esteja passando fome? Esse era um dos argumentos de Satanás para tentar Jesus. Mas o Senhor mostrou que a sua supremacia estava no Espírito e não na carne. A carne, a fome, a fraqueza, foi controlada pelo Espírito e não o contrário. Totalmente oposto ao que vemos no dia-a-dia: pessoas controladas pela carne, pelos impulsos e desejos dos seus corpos. Portanto, o jejum nos ajuda a lembrar de que “não só de pão viverá o homem, mas de tudo que procede da boca do Senhor viverá o homem” (Deuteronômio 8.4).

O problema dos fariseus quanto ao jejum

No texto que estamos estudando vemos que mais uma vez os hipócritas estavam utilizando um instrumento santo dado por Deus para a sua adoração como um instrumento para a própria glória e honra deles. Este era o problema dos fariseus. Eles queriam mostrar a religiosidade e espiritualidade que tinham pelo fato de jejuarem. O costume que guardavam eles era de mostrar seu jejum e eles faziam isto caminhando pelas ruas com suas vestes rasgadas e com cinza sobre a cabeça, mostrando assim sua penitência. Mais do que isso, os fariseus eram tão estritos e severos com esta prática que enquanto a Lei de Moisés indicava que os judeus deveriam jejuar uma vez no ano, eles o faziam duas vezes na semana! A religião do homem sem Deus pode ser muitas vezes muito mais pesada, mas severa, mais exigente que qualquer adoração verdadeira a Deus. Isto pode nos surpreender, pois muitas vezes acreditamos que não há nada mais difícil do que vivermos como cristãos. Mas observe o rigor de vida que hoje levam alguns monges budistas, por exemplo. Tenho certeza que em rigor e disciplina externa eles são muito mais esforçados que qualquer outra pessoa. Mas isso serve? Claro que não. O problema é que o ser humano muitas vezes está disposto a carregar inúmeros esforços próprios, tais como os dois jejuns semanais dos fariseus, por mero orgulho, para ser ele mesmo merecedor diante de Deus. Os fariseus acreditavam que eles eram justos diante de Deus por esse esforço e rigor nas suas vidas. Mas Jesus ensinou aqui que de nada serve um rigor religioso carregado de orgulho próprio, de justiça própria, para vanglória ao invés de ser para a glória de Deus.
Portanto, o problema todo não estava no jejum em si mesmo, mas na atitude em que estes homens encaravam tal prática. Eles poderiam praticar seus jejuns com o rosto lavado, sem transparecer como se fosse uma prática difícil que somente santos especiais como eles poderiam ser capazes de praticá-la. Atitudes similares encontramos até hoje nas igrejas. Pense em pessoas, talvez em você mesmo, quando realiza algum trabalho na igreja e ao invés de fazê-lo com alegria, o faz demonstrando que isso é um sacrifício para você. Outros o vêm e pensam: “como é esforçado esse trabalho para o irmão, como ele é fiel para suportar essa obra”. Nesse caso, você ou a pessoa que for está roubando glória para si mesmo. Está caminhando, em um sentido figurado, com panos rasgados e cinza sobre a cabeça, mostrando a todos o quão importante é o esforço religioso que está realizando. Sempre que mostramos aos outros que nos custa alguma coisa servirmos a Deus, que estamos abrindo mão de algo para realizar a obra de Cristo, de certa forma criamos um meio para a admiração e louvor dos homens. A atitude certa deveria ser a que nos ensinou Jesus em Lucas 17.10 quando disse que após fazermos o que nos for encomendado, deveríamos dizer: “servos inúteis somos, pois apenas fizemos o que devíamos fazer”.
Mas também encontramos outro problema sobre o jejum já no Israel do Antigo Testamento. Os judeus já tinham sido repreendidos por pensarem que seriam ouvidos apenas por jejuar, eis aqui uma boa descrição de uma vida religiosa vazia, apenas baseada em práticas externas: 
“Clama a plenos pulmões, não te detenhas, ergue a voz como a trombeta e anuncia ao meu povo a sua transgressão e à casa de Jacó, os seus pecados. Mesmo neste estado, ainda me procuram dia a dia, têm prazer em saber os meus caminhos; como povo que pratica a justiça e não deixa o direito do seu Deus, perguntam-me pelos direitos da justiça, têm prazer em se chegar a Deus, dizendo: Por que jejuamos nós, e tu não atentas para isso? Por que afligimos a nossa alma, e tu não o levas em conta? Eis que, no dia em que jejuais, cuidais dos vossos próprios interesses e exigis que se faça todo o vosso trabalho. Eis que jejuais para contendas e rixas e para ferirdes com punho iníquo; jejuando assim como hoje, não se fará ouvir a vossa voz no alto. Seria este o jejum que escolhi, que o homem um dia aflija a sua alma, incline a sua cabeça como o junco e estenda debaixo de si pano de saco e cinza? Chamarias tu a isto jejum e dia aceitável ao SENHOR? Porventura, não é este o jejum que escolhi: que soltes as ligaduras da impiedade, desfaças as ataduras da servidão, deixes livres os oprimidos e despedaces todo jugo?  Porventura, não é também que repartas o teu pão com o faminto, e recolhas em casa os pobres desabrigados, e, se vires o nu, o cubras, e não te escondas do teu semelhante? Então, romperá a tua luz como a alva, a tua cura brotará sem detença, a tua justiça irá adiante de ti, e a glória do SENHOR será a tua retaguarda;.” (Isaias 58.1-8)
Eles jejuavam, buscavam ter um conhecimento teologicamente correto, clamavam arrependimento, mas na prática nada vaziam. Não soltavam suas ligaduras com o pecado, nem mostravam misericórdia com o próximo. Eles jejuavam sem parar para refletir, apenas para que Deus os favorecesse em momentos oportunos de necessidade. Tal forma de jejuar nunca agradou a Deus e foi sempre repreendido por ele.

Jejuando da maneira correta

Finalmente chegamos ao aspecto positivo do ensinamento e passaremos a considerar agora qual deve ser a atitude correta do cristão diante da prática do jejum: “Tu, porém, quando jejuares, unge a cabeça e lava o rosto, com o fim de não parecer aos homens que jejuas, e sim ao teu Pai, em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará.” (Mateus 6.17-18).
O princípio para a atitude com que devemos realizar esta prática é o mesmo que para os outros exemplos que Jesus colocou anteriormente e consiste em praticarmos o jejum para Deus e diante dele ao invés de fazermos isto para os homens e diante dos homens. A nossa verdadeira preocupação tem que estar em agradar a Deus, em adorar a Ele e em buscar a glória dele, não a nossa. Se fizermos jejum, deve ser para clamar a Ele e não para sermos vistos diante dos homens. Jesus nos exorta a usarmos a máxima discrição possível. Os homens não precisam saber que nós jejuamos. O jejum não é uma atividade religiosa pública e menos ainda é uma atividade para recebermos o louvor dos outros.
Além disso, já vimos anteriormente o significado bíblico do jejum. Em base a tal significado, facilmente podemos inferir alguns aspectos para a prática do jejum. Primeiro, o jejum precisa ter um propósito claro, seja de dedicação, de súplica, de intercessão, enfim, não pode ser um ato mecânico, apenas uma rotina. Segundo, o verdadeiro jejum deve ser acompanhado de orações e meditação. É para nos aproximarmos mais de Deus. Novamente isto implica em que ele não pode ser um ato mecânico, pois é um instrumento de humilhação e aproximação a Deus, não uma mera rotina. Terceiro, o jejum é para ser praticado apenas quando somos movidos pelo Espírito Santo para fazê-lo e não pelo fato de ser uma obrigação que devemos cumprir para atingir uma meta espiritual preestabelecida. Isto implica, mais uma vez, que não se trata de uma ação mecânica e rotineira.
Finalmente podemos dizer que jejuar implica nos esquecermos de nós mesmos. Precisamente neste ponto estava o problema dos fariseus. Eles jejuavam pensando em si mesmos, em como eram visto pelos homens quando jejuavam. O jejum é uma forma de nos esvaziarmos das nossas próprias forças e nos humilharmos diante de Deus e, consequentemente, é o Pai que está nos céus que deve receber toda glória com este ato religioso. Não pense que você está fazendo grande coisa quando jejua, apenas agradeça a Deus por ter essa oportunidade e peça a Ele que o sustente durante a jornada de jejum de maneira que ele tenha toda a centralidade da sua meditação, reflexão e oração. Certamente o nosso Pai se agrada de tais adoradores, pois bem disse o nosso Senhor Jesus: “e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará” (Mateus 6,18b).
Que o Senhor nos ajude a vivermos de maneira agradável a Ele! Amém.

quarta-feira, 20 de março de 2013

Sermão do Monte XXVI: A oração do Pai Nosso (Mateus 6.9-13)



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Capítulo XXVI

A oração do Pai Nosso

 

Alejandro G. Frank

Introdução

Neste capítulo estamos dando sequência ao estudo sobre a oração que começamos no capítulo passado. Anteriormente vimos em Mateus 6.5-8 como os hipócritas procediam equivocadamente com a oração, utilizando-a para seus próprios propósitos, para serem vistos e exaltados pelos homens. Já dissemos que a oração é um instrumento santo que pode ser corrompido nas mãos do ser humano pecador, sendo utilizada como meio para mostrar uma aparência de piedade meramente exterior. Como bem disse o Senhor Jesus em outra ocasião, tais atitudes são próprias de homens que se assemelham a sepulcros branqueados, pois externamente parecem bonitos, decorados e enfeitados, mas por dentro há morte e hediondez. Assim são aqueles que usam a oração para sua própria glória.
Por este motivo, o Senhor Jesus se preocupou também em deixar instruções sobre como seus discípulos devem orar da maneira certa. Já vimos sobre a atitude de isolamento e intimidade com o Pai, além da confiança e fé que precisamos quando nos achegamos a Ele. Ora, a oração foi um ponto tão importante da vida cristã para o Senhor Jesus que reiteradas vezes ele tratou sobre este assunto. Enquanto que em outros pontos ele destacou apenas os princípios, na oração ele desdobrou os pormenores. Foi assim que ele se preocupou em nos deixar inclusive um modelo de oração que mostra os principais pontos a serem abordados. Lucas 11.1 nos relata que em certa ocasião os discípulos de Jesus vieram a ele e lhe pediram que lhe ensinasse a orar, e ele os ensinou o mesmo modelo de oração apresentado na pregação do Sermão do Monte. Jesus não os repreendeu por eles não saberem como orar, antes os ensinou um modelo muito simples, mas com princípios extremamente profundos que abrangem todos os pontos essenciais da oração. No mesmo texto de Lucas 11.1 vemos também que João batista também se preocupou por ensinar seus discípulos a orarem. Orar corretamente é essencial para a vida cristã e, por tanto, precisamos aprender como Deus deseja que venhamos a ele na oração. Tiago 4.3 nos diz: “pedis e não recebeis, porque pedis mal, para esbanjardes em vossos prazeres”. Precisamos aprender como pedir, como orar, e como clamar ao Pai. Com este propósito Jesus ensinou o modelo conhecido como o Pai Nosso que consideraremos a continuação:
“Portanto, vós orareis assim: Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome; venha o teu reino; faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu; o pão nosso de cada dia dá-nos hoje; e perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós temos perdoado aos nossos devedores; e não nos deixes cair em tentação; mas livra-nos do mal [pois teu é o reino, o poder e a glória para sempre. Amém]!” (Mateus 6.9-13)

O Pai Nosso: um modelo de oração

Muitos têm usado esta oração como a única forma de oração pela que podemos chegar a Deus. Estes oram somente o Pai Nosso, pois acreditam que esta é a única oração que Jesus aceitou. Porém, notem que reiteradas vezes temos dito que se trata apenas de um modelo ou exemplo de oração que fornece os princípios gerais para qualquer oração. Qual é a base para interpretarmos o Pai Nosso como apenas um exemplo? Primeiro, é claro que Jesus disse: “Portanto, vos orareis assim...” (verso 9). Ora, isto pode significar que devemos orar somente assim ou que devemos seguir esse exemplo de oração como inspiração para a oração. Independentemente do caso, é claro que Jesus estava dando um exemplo que de alguma maneira deveria ser útil para seus discípulos, mas reforçando a nossa afirmação de ser apenas um modelo note que Jesus orou em diversas ocasiões de maneiras muito diferentes. Por exemplo, em algumas situações simplesmente levantou os olhos aos céus e clamou a Deus. Em outras ocasiões ele, com a mesma atitude, levantou o rosto e simplesmente agradeceu ao Pai com curtas palavras. Outras vezes, como na oração sacerdotal de João 17, vemos Jesus orando de uma maneira muito mais estendida. Enfim, em todos esses casos a sua naturalidade na oração e profundidade na comunicação com o Pai foi tão notória que seus discípulos chegaram e lhe disseram: ensina-nos a orar (Lucas 11.1), e Ele lhes deu este exemplo de oração, como se faz com uma criancinha pequena que ainda não sabe estruturar suas frases por si mesma e a ensinamos uma oração decorada. Em terceiro lugar, notem que temos alguns relatos da era apostólica em que os discípulos de Jesus oraram de maneira espontânea (por exemplo, em Atos 4.23-31). Terceiro, e reforçando o dito no segundo ponto, podemos dizer que não temos outro relato no Novo Testamento de alguém orar o Pai Nosso após este ensinamento de Jesus. Paulo orava por diversos pedidos específicos (veja, por exemplo, Efésios cap.1 e 1.Tessalonicenses cap.1). No entanto, não quero dizer que é errado orar em certas ocasiões o Pai Nosso, mas esta não é a única oração para nos aproximarmos de Deus, é apenas um modelo.
Depois de ter dado os nossos argumentos de por que esta oração é um modelo, falta explicar o ponto mais importante do argumento, que é este: por cima de todas as outras considerações, o Pai Nosso é um modelo ideal de oração porque em sua simplicidade cobre todos os aspectos possíveis envolvidos em uma oração.  A grandeza desta oração é que ela é curta e completa. É como se fosse um esboço, uma estrutura de oração, que nos traz todos os princípios necessários para orarmos ao Pai. Esta estrutura apresenta-se da seguinte maneira: Primeiro, há uma invocação que fixa o destinatário da adoração na oração. Posteriormente, Jesus apresenta três pedidos centrados em Deus e sua glória (versos 9 e 10), para depois apresentar três pedidos centrados nas necessidades humanas (versos 11 a 13). A seguir consideraremos todos esses pontos essenciais da oração.

O destinatário: invocação

A oração não começa com pedidos, mas com uma invocação. O Senhor começa: “Pai Nosso que estás nos céus” (verso 9b). Com isto, Jesus coloca toda a atenção em quem é o receptor de nossa oração. A oração não é à virgem Maria, nem aos santos da Igreja, nem a nenhum homem ou ídolo, mas apenas ao Pai que está nos céus. No modelo de oração temos o exemplo perfeito da santa Trindade em ação. É o Pai o receptor das orações, a quem vai dirigida a nossa oração. É o Filho Amado quem nos ensinou a orar e o nosso mediador, o único mediador, por quem somos capazes de chegarmos ao Pai, por meio do seu sacrifício mediador para que nossos pecados fossem perdoados e pudéssemos chegar à aceitação diante do Santo Pai (1 Timóteo 2.5-6; 1 João 2.1-2). E, por último, é o Espírito Santo que nos auxilia na oração, como a Bíblia nos ensina, acendendo esse desejo pela comunhão espiritual em nossas almas e inclusive nos auxiliando quando nem sabemos bem como orar (Romanos 8.26-27). Observem que há uma comunhão perfeita da Trindade no ato da oração, da mesma maneira que há uma comunhão perfeita da Trindade no ato da salvação: Deus Pai predestinou os que iriam ser salvos, Deus Filho fez o sacrifício pelos eleitos e Deus Espírito Santo faz a obra regeneradora para trazer os eleitos ao arrependimento e fé para salvação.
O fato de a oração começar com a invocação ao destinatário nos leva também a precisarmos meditar sobre o ato que estamos por efetuar. Precisamos nos acalmar para invocar a Deus. Geralmente queremos nos inclinar para rapidamente trazermos os nossos pedidos. Porém, é ao Santo Pai criador de todas as coisas que estamos nos achegando. Não se trata de um mero “amiguinho” ou “paizinho”, mas é Jeová dos Exércitos. Portanto, antes de começarmos precisamos pensar melhor o que dizer e como dizer em nossas orações. 
Por outro lado, também podemos chegar confiantes, pois é “ao Pai” que estamos chegando e não a um deus alheio. Este trato de Pai implica em que podemos chegar a Ele com confiança, sabendo que Ele tem e quer o melhor para nossas vidas. Também implica em esta oração é somente possível para aqueles que foram salvos pela fé em Jesus Cristo, pois somente esses são considerados na Bíblia como filhos de Deus, adotados pelo Espírito Santo. O restante da humanidade não é tratado como filho, apenas como criação de Deus.
Também, Jesus acrescenta “Pai Nosso que estás nos céus”. Este ponto é muito importante, pois marca uma grande diferença com o conceito distorcido de paternidade que nós, humanos, temos. Deus não é um pai falho como um pai terreno, mas perfeito, fiel, justo, imutável, amoroso, benigno e tantas outras virtudes que lhe são próprias dos seus atributos celestiais. Isto deveria ser um consolo para todos aqueles que não têm um pai cristão aqui nessa terra, ou também para aqueles que já não têm mais seus pais por terem morrido. Não estamos sós. Temos um Pai perfeito nos céus. Ele nos ama e nos acolhe, nos aconselha e nos guia. Portanto, não fique triste pensando que você está sozinho, mas lembre: “eu tenho um Pai prefeito que está nos céus e que desde lá sempre me vê e me acompanha”. Isto tem sido um grande consolo para mim como homem, marido e, se Deus assim o permitir, futuro pai dos meus filhos. Eu sei que não estou sozinho, que tenho uma figura paternal perfeita, e que posso me espelhar nesse pai perfeito para me moldar como homem. Oh que grande consolo que as Escrituras nos dão!

Adoração

Temos dito anteriormente que após a invocação há três pedidos relacionados à adoração (versos 9c-10). Assim como nas bem-aventuranças, aqui também há uma sequência bem estabelecida. Antes de serem apresentados os três pedidos para as nossas necessidades, primeiro vem a nossa adoração a Deus. Esta se apresenta das seguintes formas:

A-     Santificado seja teu nome

O primeiro (verso 9c), é um pedido para que o nome de Deus seja santificado, isto é, para que seja reverenciado, considerado santo. As Sagradas Escrituras ensinam claramente que Deus é Santo, que seu nome é Santo, e que não precisa ser santificado em si mesmo. Mas o sentido aqui é o de pedirmos que Seu nome seja santificado em nossas vidas. Em certo sentido, os judeus entendiam bem o significado, pois eles tinham um grande temor e reverência pelo nome de Jeová. Muitas vezes os cristãos de nossos dias esquecem a santidade do nome de Deus e o usam em vão. Frases como “Deus meu!”, “meu Jesus!”, “Jesus Cristo!”, “Deus me livre!”, têm se tornado banal e são usadas para qualquer propósito sem o devido respeito ao terceiro Mandamento (Êxodo cap.20). Muitos nem se importam de jurar em vão pelo nome de Deus ou de quebrar um juramento feito no nome de Deus. Estas são formas em que, ao invés de o nome de Deus ser santificado, é banalizado e blasfemado entre os homens. Ora, alguém pode estar pensando: por que tanta importância dada ao nome de Deus? É porque Deus se deu a conhecer através do seu santo nome. A Bíblia nos ensina que o nome de Deus significa tudo o que Ele representa junto com todos seus atributos. É através do seu nome que ele se fez conhecer e não pela imagem visível. Todos os povos da terra tremiam diante do Deus YHWH (Javé ou Jeová) dos judeus. Eles ouviam falar dele e se espantavam de medo. E esse nome significa “Eu sou o que Sou/será”, ele simplesmente é, Ele autoexiste, Ele é eterno, Ele é a plenitude, é a perfeição. Portanto, seu nome deve ser santificado.
Contudo, outro aspecto muito importante é que este pedido inclui o desejo que seu nome seja, de fato, santificado no sentido de glorificado entre os homens. O próprio Senhor Jesus sempre se preocupava de dar glória ao Nome do Pai (veja por exemplo João 17.4-6). No sentido prático, trata-se de vivermos de maneira tal que as pessoas que nos vêm vivendo como cristãos não tenham o que reclamar de nós. Paulo disse em Romanos 2.23-24: “Tu, que te glorias na lei, desonras a Deus pela transgressão da lei? Pois, como está escrito, o nome de Deus é blasfemado entre os gentios por vossa causa”. Cada vez que nos comportamos de uma maneira incorreta diante dos homens, sendo cristãos, estamos desonrando o nome de Deus, e deixamos de santificar o seu nome. Por isso a importância de clamarmos: Santificado seja o teu nome!
Temos esse anelo? Será que estamos realmente preocupados com a glória de Deus em nossas vidas? Como isto impacta no nosso redor, nas pessoas que convivem conosco? São elas que deveriam avaliar e dizer se realmente vivemos para honrar o nome de Deus. Além disso, o fato de sabermos que o mundo jaz no maligno e que, portanto, o nome de Deus não está sendo glorificado entre as nações, deveria nos levar a um maior zelo evangelístico. As missões evangelísticas não devem estar focadas em primeiro lugar na necessidade de salvação dos homens, mas na necessidade da glorificação do nome de Deus entre as nações. Isto trará não apenas quantidade de convertidos, mas qualidade, pois não se tratará apenas de pessoas se batizarem, mas pessoas se converterem dos seus pecados para uma vida santa que glorifique o nome dEle.

B-     Venha o teu Reino

Ora, se temos um grande desejo pela glória de Deus manifesta nas nossas vidas e na face da Terra, este desejo nos levará naturalmente ao segundo pedido: “venha o teu Reino” (verso 10a). Como cristãos conhecedores da realidade humana e da existência do pecado, sabemos que Deus não está sendo completamente santificado e glorificado nesta Terra. Também sabemos que até os fins dos tempos o mal existirá e que, conforme as Escrituras, este será cada vez maior e mais generalizado. Portanto, basta implorar e clamar a Deus: Venha o teu Reino. Somente quando Cristo voltar e colocar até o último inimigo debaixo dos seus pés o nome de Deus será exaltado e glorificado completamente. Hoje há outro reino governando esta terra. “O mundo jaz no maligno” (1.João 5.19). Nós somos de outro reino, somos um povo subversivo semeando infiltradamente as sementes do evangelho. Mas um dia esse Reino virá.
Este clamor deve nos levar a desejar esse reino futuro. Há pessoas cristãs que têm uma visão de conquistar o mundo. Há quem acredite que antes da volta de Cristo todas as pessoas se converterão ao Evangelho. Mas isto não condiz com tal pedido da oração do Pai Nosso. Cabe a nós anunciarmos o evangelho e orarmos desta maneira clamando para que Ele seja glorificado e para que seu Reino seja instaurado eternamente. Temos esse desejo? Estamos prontos para sua vinda e para clamarmos para que isto aconteça?

C-     Faça-se a tua vontade

Bem, chegamos à conclusão dos três pedidos de adoração. Vejamos a sequência: desejamos que seu nome seja santificado. Como sabemos que hoje não é possível que isto aconteça totalmente, desejamos que venha seu Reino. Por fim, a conclusão é que também desejamos que se faça a sua vontade perfeitamente: “Faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu” (verso 10b). Isto significa que desejamos que Ele governe soberanamente sobre todo o universo. A Bíblia ensina que Deus é soberano e que inclusive o mal que acontece contra a sua vontade, não acontece sem a sua permissão. Porém, o desejo do crente é que reine a justiça e a paz, e que este mal seja erradicado.
É fácil falarmos desta vontade de Deus em um sentido bem geral. Ora, se pedimos isto também estamos nos incluindo na petição. O nosso primeiro desejo deveria ser que sua vontade reine soberanamente sobre nossas vidas. Que nada do que façamos seja contrário a seu desejo e que, por conseguinte, possamos viver como santos nesta terra. Hoje é muito comum escutarmos falar no meio cristão sobre os sonhos que cada um tem para sua vida. Que temos que lutar por nossos sonhos e que Deus os cumprirá. Mas esta oração é contrária a tal pensamento. Não são os nossos sonhos os que interessam, mas a vontade de Deus. Nosso maior desejo deve ser que seja o desejo dEle o que molde os nossos próprios desejos. Isto é, submissão e confiança plena em que a vontade de Deus é o melhor para nossas vidas. Estamos dispostos a orarmos assim?

Petições

Após a oração focar na adoração ao Pai, o Senhor Jesus desenvolve três pedidos centrados nas necessidades humanas (versos 11 a 13). Esta parte contempla três necessidades centrais, que estão equilibradas com as três petições de adoração. A grandeza dos três pedidos que veremos a seguir é  que eles envolvem os pontos mais essenciais para a vida do cristão. Há aqui uma maravilhosa sequência de prioridades, em uma ordem muito precisa. A primeira vista poderíamos pensar que esta ordem não apresenta as prioridades reais, pois ao invés de começar pela questão do pecado, começa pelo pedido do pão diário. Porém, logo veremos que há um motivo muito sensato nesta ordem oferecida por Jesus na sua oração.

A-     O pão de cada dia

O primeiro pedido pessoal que Jesus apresenta neste modelo de oração é “o pão nosso de cada dia, dá-nos hoje (verso 11)”. Isto é um reconhecimento da necessidade do sustento diário, da dependência diária que temos de Deus. Para o cristão, isto representa uma atitude de grande humildade. O mundo não quer depender de um ser superior para seu sustento. Muitas vezes ouvi na faculdade pessoas dizendo que tínhamos que estudar para não depender de ninguém. Em certo sentido é verdade, mas em um sentido mais profundo sabemos que, por cima de tudo, mesmo estudados e com profissões, dependemos do sustento que Deus nos dá a cada dia. Há, portanto, neste pedido, um reconhecimento de que nossa vida material depende totalmente dAquele que nos fornece todas as coisas. Somos como crianças que esperam que seus pais os alimentem e os forneçam do necessário para viver.
Chama a atenção também que Jesus não disse “dá-nos sempre nosso pão”, nem “não nos deixes faltar nunca o nosso pão”. Ele disse “o pão nosso de cada dia, dá-nos hoje”. É hoje que precisamos desse pão. Ele não está pedindo nem mais e nem menos daquilo que precisamos para hoje. Isto nos recorda do Maná, dado ao povo de Israel durante o deserto. Eles tinham que recolher o Maná a cada dia. Não podiam recolher a mais para os dias seguintes, não podiam acumular. Apenas podiam recolher aquilo que precisavam para esse dia. Certamente a tentação estava ai, e a Bíblia nos relata que alguns tentaram recolher a mais, mas o alimento pereceu. Com isto, Deus estava lhes dando uma grande lição: eles deviam aprender a depender dEle completamente. Eles precisavam aprender a ter fé que Deus lhes proveria no dia seguinte o Maná que precisavam para esse exato dia, nem mais, nem menos. Com isto Deus lhes ensinava a se lembrarem a cada dia da dependência dEle e a buscarem a cada dia o favor dEle. Por esta mesma razão, no Pai Nosso, a cada dia precisamos rogar “o pão nosso de cada dia, dá-nos hoje”. Temos um pai que se agrada em atender a este pedido e podemos confiar em que ele é capaz de nos suprir todas as nossas necessidades básicas da vida. Isto é um grande consolo para o cristão!
Também, notem que é pelo pão que Jesus ensina a orar, e não por outros alimentos mais luxuosos. O pão era o alimento básico da época de Jesus. O pão até hoje simboliza uma necessidade essencial para a sobrevivência humana nesta terra. O crente precisa vir até Deus em oração pedindo pelas suas necessidades essenciais. Tudo o que for acrescentado a isto é graça sobre graça dada por Deus. Lembre o que nos deixou escrito Tiago: “pedis e não recebeis, porque pedis mal, para esbanjardes em vossos prazeres” (Tiago 4.3). Não é pelos prazeres que devemos clamar e rogar a Deus, isso é cobiça, são desejos desordenados. Este ensinamento é totalmente contrário à teologia da prosperidade que promete riquezas aos crentes fiéis. Não é isto o que encontramos nas orações de Jesus.
Por último, uma pergunta poderia ser muito válida a estas alturas: se estamos considerando agora as necessidades pessoais, porque começar pelo pão diário e não pelo perdão de pecados que vem na sequência (verso12)? O Dr. Lloyd-Jones afirma que esta sequência é muito correta, pois antes de rogarmos por nossa alma, precisamos estar vivos e, para estarmos vivos, precisamos do sustento diário. Como bem disse o salmista “Os mortos não louvam o SENHOR, nem os que descem à região do silêncio” (Salmo 115.17). Claro que o salmista se refere a louvar nesta terra e nada tem a ver aqui com os mortos estarem na glória louvando a Deus. Para vivermos nesta terra em santidade, livres do pecado, como o próximo ponto da oração do Pai Nosso considera, primeiro precisamos viver e sermos sustentados com o pão diário. Então, o clamor é para que Deus nos mantenha vivos, para que possamos então sim louvá-lo e servi-lo com santa devoção.

B-     Perdoa nossas dívidas

Uma segunda necessidade do cristão é a do perdão diário por parte de Deus: “e perdoa-nos as nossas dívidas; assim como nós temos perdoado aos nossos devedores” (verso 12). Observem que estas palavras eram dirigidas aos discípulos de Cristo. Consequentemente, não se trata aqui de arrependimento para salvação, mas do reconhecimento diário do nosso estado decaído diante da santidade de Deus. O Pr. Paul Washer sempre menciona nas suas pregações evangelísticas que uma das principais marcas do crente verdadeiro não é que ele um dia se arrependeu e creu em Jesus Cristo (note o tempo passado da conjugação), mas que ele dia-a-dia se arrepende mais e mais dos seus pecados e crê que Jesus Cristo é a sua única solução para ser aceito diante de Deus (note o tempo presente na conjugação). À medida que crescemos na fé cristã, conhecemos mais de perto a Deus e, consequentemente, nos conhecemos cada vez melhor a nós mesmos e a nosso estado decaído. Conhecemos mais sobre o quão longe ainda estamos do padrão de santidade perfeita de Jesus, conhecemos mais da nossa natureza e nossas atitudes muitas vezes egoísta e mesquinha. Nada mais nos resta que dizer: “perdoa as nossas dívidas”. E ainda acrescentar a oração do salmista: "Quem há que possa discernir as próprias faltas? Absolve-me das que me são ocultas" (Sl 19, 12), reconhecendo que nem sabemos todas as faltas que muitas vezes cometemos.
Um segundo aspecto deste pedido tem trazido muitas discussões e más interpretações. É o trecho que diz: “assim como nós temos perdoado aos nossos devedores” (verso 12b).  Mais adiante (outro capítulo do estudo), quando entremos no estudo do verso 14, teremos muito mais a dizer a respeito. Porém, não podemos deixar passar por alto pelo menos algo sobre este ponto. Algumas pessoas acreditam que o Pai Nosso não se aplica a nossa era da graça porque entendem que este trecho rata do perdão de Deus baseado nos méritos humanos. É como se disséssemos que Deus deve nos perdoar porque nós perdoamos primeiro aos nossos irmãos. Porém, observe que Jesus não disse “perdoa-nos porque perdoamos” nem “perdoa-nos com base no fato de que perdoamos”. Ele disse “assim como nós perdoamos”. Esta expressão não tem conotação de medida, não quer dizer que Deus tem que nos perdoar na quantidade e qualidade do nosso perdão. Não se trata de proporções comparativas, mas apenas em comparações fatuais. Isto é, Deus perdoa e nós também, como filhos dele, perdoamos. Muitas vezes se perde de foco a principal lição que Jesus está colocando aqui, a qual nada tem a ver com questões de méritos para o perdão. É uma lição muito mais simples que ele quer nos dar: Não podemos ter a pretensão de sermos perdoados por Deus se nós não temos o interesse e nem estamos dispostos a perdoar aos nossos próximos. Esta é a lição maior do ponto em questão. Nossa vida tem que ser coerente. Não podemos jogar pedras e esperarmos que nos joguem flores! É a regra de ouro que Jesus ensina mais adiante no mesmo sermão: “Tudo quanto, pois, quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós também a eles” (Mateus 7.12). O mesmo se aplica na relação com Deus. Não podemos nos achegar a Deus pedindo pelo seu perdão diário e sermos no dia-a-dia pessoas duras e sem compaixão. Isto é incoerente.

C-       Não nos deixes cair na tentação

O último pedido é “e não nos deixes cair na tentação; mas livra-nos do mal” (verso 13). Que grande lição podemos ter diante deste pedido! É muito mais fácil para nós orarmos pedindo perdão quando pecamos do que ficarmos em oração vigiando para não pecar. Veja que no ponto (b) consideramos o pedido de perdão. Mas quantos de nós, após sermos perdoados por Deus, perseveramos em oração para não voltarmos a cair no mesmo pecado? Este pedido nos ensina a não abaixarmos os braços e seguir lutando contra o pecado que nos assedia dia-a-dia.  Por conseguinte, este é um pedido “preventivo” (i.e. antes que um pecado ocorra), enquanto que o anterior é um pedido “corretivo” (i.e. quando um pecado ocorreu).
Por outro lado, este pedido não foca apenas no pecado consumado, mas o clamor é “livra-nos da tentação”, isto é, da prova que pode se consumir em um pecado. O crente deve desejar fugir de qualquer risco de cair em pecado. Ele não deve querer lutar contra o pecado, mas estar muito longe dele. Como bem instruiu Paulo ao jovem Timóteo quando disse: “Foge também das paixões da mocidade; e segue a justiça, a fé, o amor, e a paz com os que, com um coração puro, invocam o Senhor” (2 Timóteo 2.22). Contudo, sabemos que há situações onde Deus permite que sejamos tentados, como no caso da vida de Jó. Embora como crentes não desejemos a tentação, muitas vezes através dela, é quando nos achegamos mais a Deus para vencê-la, nos tornamos mais maduros. Outros, com suas quedas e feridas produzidas pelo próprio pecado, tem experimentado mais de perto o amor misericordioso de Deus que os tem aceitado novamente. Enfim, sabemos que devemos evitar as tentações, mas quando estas vierem podemos nos lembrar das palavras ditas por Paulo: “Não vos sobreveio tentação que não fosse humana; mas Deus é fiel e não permitirá que sejais tentados além das vossas forças; pelo contrário, juntamente com a tentação, vos proverá livramento, de sorte que a possais suportar” (1 Coríntios 10.13).
Mas o pedido não é apenas pela tentação. Jesus acrescenta: “mas livra-nos do mal” (verso 13). O que é o mal do qual precisamos ser livrados? Em Efésios 2.1-3 Paulo fala sobre três tipos de mal contra o qual combatemos. Primeiro, é claro que uma forma do mal é o Príncipe da Potestade do Ar, como diz em esse texto. É o Maligno, o Diabo, o Pai da Mentira, Satã ou Lúcifer. É claro que ele é o nosso principal inimigo e o destruidor desde o princípio. Porém, não temos que nos preocupar somente com ele, na verdade, a Bíblia nos diz que ele já foi vencido e lhe resta pouco por fazer. A segunda forma do mal que Paulo menciona nesse texto é “o mundo”, entendendo-se neste sentido ao “sistema” que rege o mundo e que se opõe a Deus. São as tendências progressistas pró-homossexualismo, pró-libertinagem, contra a família e contra as bases da religião. É também tudo o que o mundo nos oferece, como no livro “O Peregrino” de John Bunyan é ilustrado por meio do mercado das vaidades. Por fim, a terceira forma de mal, a mais sutil e não menos importante, que Paulo apresenta nesse texto é a nossa “carne”, isto é, as nossas próprias paixões e pensamentos pecaminosos. Muitas vezes o maior dos nossos inimigos somos nós mesmos. Portanto, contra todas estas formas do mal temos que estar vigiantes e em oração. Tal como disse o nosso Senhor antes de morrer, em Getsêmani: “Vigiai e orai para que não entreis em tentação; o espírito, na verdade, está pronto, mas a carne é fraca” (Mateus 26.41).

Conclusão

O final da oração do Pai Nosso conclui com uma exaltação de adoração tal como no início. Neste caso, o Senhor usa a seguinte expressão: “pois teu é o reino, o poder e a glória para sempre. Amém!” (verso 13b). Esta conjunção “pois”, utilizada na invocação final, é importante para a nossa confiança na oração. Quer dizer que cada um dos pedidos que fizemos nesta oração é possível fazermos ao Pai e esperarmos que ele as cumpra “pois” dele é o reino, o poder e a glória para sempre. Podemos ter fé e segurança em essa oração “pois” ele é soberano e capaz de realiza-las. Nada há que detenha a sua vontade soberana. Que grande consolo e alegria para cristão! Oxalá cada um de nós possa orar com esta devoção e seguindo este modelo de oração. Que este modelo possa nos levar a uma intimidade de oração cada vez maior com o Pai e que clamemos junto aos discípulos pedindo a nosso Senhor: “Ensina-nos a orar”. Sim, ensina-nos a orar, bendito Senhor! Amém.

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Sermão do Monte XXV: O crente e a oração (Mateus 6.5-6)

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Capítulo XXV

O crente e a oração

 

Alejandro G. Frank

Introdução

Há dois estudos atrás (Estudo 1; Estudo 2) começamos a tratar um dos princípios ensinados no Sermão do Monte, apresentado no verso 6.1: “Guardai-vos de exercer a vossa justiça diante dos homens, com o fim de serdes vistos por eles; doutra sorte, não tereis galardão junto de vosso Pai celeste” (Mateus 6.1). Vimos que esse princípio se desdobra, nos versos sucessivos, em diferentes aplicações práticas de como o crente deve praticar a verdadeira justiça na vida diária. No último estudo vimos uma delas: o problema das obras da caridade ser utilizadas pela falsa religiosidade como um meio para receber a glória dos homens ao invés desta ser usada como um meio de praticarmos a justiça diante de Deus.
No estudo de hoje trataremos um segundo ponto que discorre sobre a atitude do crente com a prática da justiça. Este segundo ponto também é uma exemplificação dada por Jesus a respeito do princípio geral do verso 6.1. No estudo anterior vimos que Jesus começou pela prática da justiça através dos aspectos materiais por ser um dos maiores meios que o ser humano utiliza para seu próprio benefício, isto é, para ser louvado pelos homens e alcançar o poder também no meio religioso. Agora o Senhor Jesus passa a tratar um segundo aspecto, igual ou até mais relevante do que o primeiro, na vida religiosa: a oração. Vejamos o que ele disse a respeito:
“E, quando orardes, não sereis como os hipócritas; porque gostam de orar em pé nas sinagogas e nos cantos das praças, para serem vistos dos homens. Em verdade vos digo que eles já receberam a recompensa. Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto e, fechada a porta, orarás a teu Pai, que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará. E, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios; porque presumem que pelo seu muito falar serão ouvidos. Não vos assemelheis, pois, a eles; porque Deus, o vosso Pai, sabe o de que tendes necessidade, antes que lho peçais.” (Mateus 6.5-8)
O tema aqui tratado, a oração, foi e sempre será um grande problema na vida do homem. É um problema muito atual na Igreja. Talvez hoje não seja tanto o problema de orar da maneira errada, mas a falta de oração que a igreja evangélica moderna enfrenta. Os membros já não dão a importância que merece esta questão. Além disso, isto se agrava com a situação do contexto onde vivemos. Problemas como o déficit de atenção são característicos de nossos tempos e certamente afetam também à vida de oração. É difícil nos desconectarmos da mídia, internet, celular, televisão, computador, etc., etc. Já quase não há espaço para o exercício contemplativo por meio da oração. Portanto, temos um grande desafio para vencermos tais barreiras, uma vez que o Senhor Jesus apresenta aqui a oração como uma necessidade da vida do crente.
Por outro lado, este texto aborda também a profundeza do pecado do homem, pois mostra como ele nos acompanha até as portas do céu. Muitas vezes consideramos pecado apenas as forma de ações como “faço isto ou faço aquilo que não condiz com a conduta cristã”, mas o texto em consideração nos mostra que podemos estar pecando inclusive por meio dos instrumentos mais santos que Deus nos dá para adorá-lo. Como bem disse Lloyd-Jones, é nos homens santos e ajoelhados que vemos o alcance e a profundeza das tentações e do pecado na vida do homem, pois até na oração podemos ser tentados para utilizá-la para nossa própria glória. O pecado é um câncer, ele se espalha, ele tenta se infiltrar como o água que transborda e permeia qualquer fissura que encontra, ele é capaz de nos perseguir até a presença de Deus nas nossas orações, de maneira que tiremos toda a glória dEle e foquemos toda a atenção em nós mesmos. Por isso este aspecto é tão grave e tem tão severas advertências de Jesus. Observe a tamanha importância que Jesus dá a este aspecto, veja a extensão do assunto da oração (versos 5 a 14) se comparado com o assunto anterior das esmolas (versos 2 a 4), ou com o assunto posterior do jejum (versos 16 a 18). Somente na oração Jesus se deteve nos detalhes.
No decorrer deste capítulo veremos quais as advertências, quais os problemas das atitudes erradas diante da oração e qual é o ensinamento positivo para nossas vidas que o Senhor nos deixou nesta porção do Sermão do Monte.

A atitude dos hipócritas

Consideremos primeiro o aspecto negativo colocado pelo Senhor Jesus, quando ele confronta uma atitude errada em relação à oração:
“E, quando orardes, não sereis como os hipócritas; porque gostam de orar em pé nas sinagogas e nos cantos das praças, para serem vistos dos homens. Em verdade vos digo que eles já receberam a recompensa.” (Mateus 6.5).
Depois ele continua:
“E, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios; porque presumem que pelo seu muito falar serão ouvidos.” (Mateus 6.7)
Notem que Jesus começa dizendo “quando orardes” (verso 5). Quando orardes, não sejas como eles, disse Ele. Ora isto significa que o confronto que encontramos neste texto não está dirigido à oração em si, mas à forma e atitude que temos no momento de orar. O fato de Jesus iniciar a sua advertência dizendo “quando orardes”, implica em que ele assume que seus discípulos oram como uma prática rotineira, contínua. O nosso Senhor foi um homem de profunda e constante oração. Lucas nos conta no seu evangelho (Lucas 18.1) que ele encorajou seus discípulos a “orar sempre e nunca esmorecer”. O apóstolo Paulo ainda reforçou também a necessidade da oração constante aos crentes em Tessalônica com as palavras: “orai sem cessar...” (1Tessalonicenses 5.17). A oração é uma marca do crente, pois é o canal de comunicação do cristão com seu Deus. É através da oração que chegamos diante do trono de Deus para buscarmos a sua graça, o seu perdão, a sua benevolência e as suas bençãos. Portanto, não temos desculpa para não orarmos. A Bíblia nos exorta a exercitarmos a oração e o próprio Senhor Jesus nos traz neste ensinamento importantes princípios para a vida de oração.
Como já dissemos anteriormente, o problema colocado aqui é a atitude que podemos tomar diante da prática da justiça por meio da oração. Neste sentido, duas atitudes erradas são destacadas por Jesus nos versos que lemos: a) a vanglória (verso 5); e b) as vãs repetições (verso 7). Vejamos esse dois aspectos a seguir.

a)  A vanglória na oração

O primeiro problema dos fariseus e escribas hipócritas é que eles amavam orar na sinagoga e em pé, para serem vistos por todos, como diz o verso 5. Além disso, outros textos dos evangelhos nos contam que já no caminho eles paravam nas esquinas públicas para orar a Deus com o intuito de serem vistos pelos homens. Eles amavam orar porque esta prática lhes permitia exibir-se diante dos homens. É interessante que os relatos bíblicos nunca apresentam os fariseus como homens ajoelhados e humilhados em oração. O que vemos nesses relatos são homens em pé e cheios de orgulho quando oravam. Vemos um claro contraste entre a atitude destes homens e os verdadeiros adoradores na parábola contada por Jesus em Lucas 18.9-14:
“Dois homens subiram ao templo com o propósito de orar: um, fariseu, e o outro, publicano. O fariseu, posto em pé, orava de si para si mesmo, desta forma: Ó Deus, graças te dou porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros, nem ainda como este publicano; jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de tudo quanto ganho. O publicano, estando em pé, longe, não ousava nem ainda levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: Ó Deus, sê propício a mim, pecador!” (Lucas 18.10-13)
O Senhor Jesus concluiu essa parábola dizendo que o publicano voltou justificado e não o fariseu. O fariseu estava cheio de orgulho, em pé, alçando os olhos a Deus, já o publicano nem ousava levantar o olhar. Não quero dizer com isto que sempre devemos orar ajoelhados, nem que sempre devemos orar com um espírito quebrantado. Acho bom sim, e acho que hoje em dia isto é uma das coisas que mais falta na vida dos crentes: uma verdadeira humilhação diante da face de Deus em oração. Porém, sei que muitas vezes podemos estar orando na igreja ou em casa, por exemplo, em pé, ou mesmo sentados. Também podemos estar orando com alegria, com gratidão. Isto também é necessário. O problema é que esses hipócritas não queriam se humilharem, eles achavam desnecessário. Eles acreditavam que a oração era um meio pelo qual eles aperfeiçoavam sua justiça e assim eles se tornavam merecedores da graça de Deus. Esta justiça própria era de tal importância para eles que a queriam exibir como um troféu diante da sociedade. Portanto, o ensinamento que encontramos aqui é que o mal está em orar para meu próprio interesse diante dos homens.
Agora, você como cristão pode pensar que isto é trivial, é muito claro que não se deve orar assim. Mas deixe-me lhe dizer que não necessariamente é algo muito visível. Há maneiras muito sutis de nos vangloriarmos por meio da oração. Considere, por exemplo, o tipo de crente que gosta ser conhecido como um homem ou mulher de oração na sua Igreja. Incialmente pode nos parecer uma atitude positiva e louvável tal característica da pessoa. Contudo, conforme o ensinamento que encontramos neste trecho do Sermão do Monte, não é este um tipo de característica que deveria ser muito patente aos olhos de terceiros. É algo que deveria ser apenas entre o Pai e você. Quando falo de pessoas de oração da igreja refiro-me àqueles que se fazem notar por meio de longas orações, talvez com intensas lágrimas. Certa vez conheci uma pessoa que sempre que orava em público chorava. As primeiras vezes parecia algo muito piedoso, mas lentamente, após tantas orações escutadas, comecei notar uma regra e ordem na estrutura da sua oração, e o choro chegava sempre no mesmo momento dessa sequência. Não sou ninguém para julgar se isso era genuíno ou não, mas tal atitude pode se tornar repreensível se for feita mecanicamente. Também há pessoas que gostam de falar reiteradas vezes de como elas têm vencido desafios e problemas mediante a oração. Se isto for como testemunho daquilo que Deus fez por na vida deles devemos nos alegrar juntamente com eles. Porém, refiro-me àqueles que, mediante esses testemunhos, ficam diante da Igreja como heróis da oração, como aqueles que são modelos de oradores para a igreja.
Há situações da vida muito mais sutis ainda. Por exemplo: o que pensamos sobre nós mesmos quando estamos sozinhos no quarto orando e outros estão fora sabendo disso? Falo àqueles que moram com outras pessoas, sejam os cônjuges, filhos, pais ou irmãos. Qual é o nosso sentimento diante deles no momento que estamos orando no nosso quarto. Será que não há em nós um desejo de que os outros saibam que estamos sendo piedosos na oração pessoal? Outro problema que vejo são aquelas pessoas que se orgulham pelo “tempo” que eles oram por dia. Será que a quantidade de tempo que oramos não poderia ser um motivo de orgulho também? Acredito que hoje em dia tenhamos mais problema com o pouco tempo de oração ao invés do que com o muito tempo, mas se você consegue ser uma pessoa disciplinada nesta área, qual é seu sentimento diante dos outros que são mais frágeis neste aspecto?
Permitam-me citar mais um exemplo: conheço outro tipo de problema com a vanglória na oração. Trata-se das pessoas que utilizam a oração pública para exercer influência sobre os ouvintes ao invés de focalizarem esse momento em Deus unicamente. São pessoas que quando oram parece que estão pregando aos ouvintes, não que estão orando elas mesmas a Deus. O problema tanto desta atitude como de todas as outras mencionadas é que quando oramos, toda a nossa atenção e interesse devem estar focados no receptor das nossas orações, isto é, em Deus o Pai. A oração, seja pública ou privada deve ser para glorificar a Deus e para nos humilharmos diante dEle. Qualquer outro foco nas pessoas do nosso lado, por mais bem intencionado que seja, perde o alvo do verdadeiro propósito da oração.
Diante destas colocações pode surgir uma dúvida com a qual eu mesmo me deparei algumas vezes. Vou lhes dar um exemplo bem prático. Algumas vezes quando eu ia almoçar no restaurante da universidade junto com colegas não cristãos ficava com uma dúvida: devo orar ou não na frente deles? Se eu orar, não estarei me vangloriando? Se eu não orar, não estarei me envergonhando? É o dilema vangloria versus vergonha. Posso ocultar um destas duas atitudes por trás de orar ou deixar de orar na frente desses colegas? Acredito que não haja uma resposta única para todas as pessoas. Temos que olhar o que temos em nosso interior. Posso lhes dizer que eu, particularmente, sempre optei por orar se o ambiente for propício para isso, pois conheço a minha fraqueza e sei que a minha maior tentação é em me envergonhar em orar diante desses colegas. Portanto, no meu caso, eu devo me esforçar para não cair no pecado da vergonha do evangelho. Mas se houver outra pessoa que se sentir orgulhosa por orar na frente de pessoas incrédulas, seria melhor enfrentar tal pecado sendo discreto na oração. É uma questão de contexto que demanda muito bom senso.

b) As vãs repetições na oração

Uma segunda atitude errada diante da oração é a que Jesus destaca no verso 7: as vãs repetições. Note que não se trata de qualquer tipo de repetição que é condenada. Por exemplo, o nosso Senhor orou no Getsemani antes da sua morte repetindo a mesma frase por três vezes. Vemos as orações dos salmistas que também em muitos casos são compostas por repetições de lamentos. Paulo fez três vezes a mesma petição ao Senhor, que lhe tirasse o espinho da sua carne. Então, não é qualquer tipo de repetições que trata este texto.
As vãs repetições neste texto referem-se a frases ensaiadas e decoradas. Algo similar ao que acontece no cristianismo de hoje quando ao invés da oração se fazem rezas, substituindo a comunicação com o Pai por frases decoradas. Mais adiante nesta série de estudos no Sermão do Monte veremos a oração modelo do Pai Nosso. Este é um típico caso que hoje se utiliza para rezar. Porém, esta oração tinha sido dada pelo Senhor Jesus como modelo, como instrumento de ensino e não como um fim em si mesmo. Uma característica impressionante dos salmos bíblicos, um livro repleto de orações, é a simplicidade da comunicação do salmista com seu Deus, de uma maneira natural e espontânea. Não quero dizer que é errado usar o Pai nosso ou algum salmo como a nossa oração, mas mesmo nesses casos devemos fazê-lo com uma profunda meditação daquilo que estamos orando, senão, corremos o risco de agirmos como esses hipócritas, que transformaram suas orações vãs repetições usadas para impressionar aos homens.
Além disso, existem outros tipos de vãs repetições mais sutis do que as rezas. Uma vã repetição pode ser uma falsa promessa que fazemos a Deus como condição para que algo aconteça. Refiro-me a essas promessas e penitências que as pessoas fazem para alcançar o favor de Deus. Já viram pessoas que prometem deixar algum vício ou que prometem caminhar de joelhos até um determinado lugar, ou coisas semelhantes, se Deus responder ao pedido delas? Isto é uma vã repetição, uma promessa a Deus sem sentido. Primeiro porque o abandono do pecado não deveria estar fundado em uma promessa nem menos ainda em um resultado esperado, mas no arrependimento. Além disso, é vã porque somos incapazes de cumprir qualquer coisa e Deus não precisa de condições. Ele não é homem para que nós o coloquemos condições nem é um ídolo pagão para que precise trocas de bênçãos por adoração.
Outra forma de vã repetição são as argumentações que utilizamos nas orações para convencê-lo dos nossos desejos. Deus não precisa de argumentos humanos, ele não é homem para ser convencido.  Tais orações são apenas vãs repetições. Há também “orações relatório” feitas a Deus que são vãs repetições. Falo daquelas pessoas que chegam a Deus com uma decisão já tomada e estão completamente decidas a cumpri-la. Parece inacreditável, mas já ouvi pessoas com esta atitude e certamente isto é uma vã repetição, pois Deus não é um súbdito que precisa saber o que faremos, somos nós que precisamos saber dEle o que fazer!
Uma última forma errada de oração pode ser as que são excessivamente longas. O problema não está no fato da oração ser longa, pois os evangelhos nos contam que o Senhor Jesus, em muitas ocasiões, orava a noite inteira. O problema deste tipo de orações está em querer manipular a Deus pela insistência e persistência. Sobre isto gostaria de me deter um pouco para meditarmos juntos. Vejamos o seguinte: há uma tendência no meio evangélico de ver a Deus como um servo que responde positivamente a qualquer coisa que peçamos. Basta insistir, persistir e ter muita fé. Quando algo não for atendido positivamente é porque faltou ter mais fé. Nestes casos a soberania de Deus é esquecida. Deus é tratado como um servo nosso que responde a qualquer demanda, em vez de ser considerado o todo soberano rei do universo ao qual chegamos implorando e suplicando seu favor. A respeito disto, há uma frase cliché que diz: “a oração muda as coisas” e que tem sido muito mal usada. Não é a oração que muda as coisas. É Deus que muda as coisas. Através da oração podemos apenas alcançar seu favor, mas, somente se assim aprouver a Ele. Eis aqui o ponto em questão: sempre é conforme a vontade dEle e não a nossa. É uma vã repetição ficar insistindo um pedido e crer que Deus tem que atender positivamente a tal pedido. Muitas vezes, ao invés de Deus mudar a situação que é o alvo do nosso pedido, Ele muda a nós mesmos para sermos capazes de suportar tal situação. Lembra a oração de Paulo? Em 2 Coríntios 12 ele nos conta que orou até três vezes pedindo a Deus que tirasse o espinho na carne. Qual foi a resposta de Deus? A resposta foi: “a minha graça te basta, porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza” (2 Coríntios 12.9). Deus disse não ao pedido de Paulo, a Sua graça era suficiente para Paulo e a fraqueza na vida de Paulo permitia que se manifestasse o poder de Deus que o sustentava. Lembre: Deus pode dizer não a um pedido nosso. Então, é melhor orar como Jesus: “Pai, se queres, passa de mim este cálice; contudo, não se faça a minha vontade, e sim a tua” (Lucas 22.42).
Todos os exemplos que coloquei acima são exemplos do que faziam os gentios da época de Jesus. É por isso que Ele disse: “não useis de vãs repetições, como os gentios; porque presumem que pelo seu muito falar serão ouvidos.” (Mateus 6.7). O Senhor Jesus está falando de gentios que eram pagãos e, como tais, adoravam a ídolos feitos pelas mãos humanas. Observem os deuses da mitologia grega ou romana. Esses deuses são imagens do homem. Eles eram semideuses. Na mitologia havia disputas, ciúmes e invejas entre os deuses como entre qualquer ser humano. Por serem semelhantes aos homens, seus adoradores agiam como quem tratasse com um ser humano, pois se preocupavam em repetir as súplicas, em argumentar e convencê-los. Lembre o exemplo bíblico de Elias contra os profetas de Baal (1 Reis 18). Enquanto Elias esperava o tempo certo para orar a Deus e receber uma resposta, os profetas de Baal gritavam para serem ouvidos por seu ídolo e faziam sacrifícios, esforçando-se com vãs repetições para serem atendidos por ele.

O ensinamento de Jesus para a vida de oração

A mensagem do Evangelho significa boas novas, boas notícias para o homem perdido. Por conseguinte, nenhum ensinamento bíblico foca apenas no aspecto negativo. A Palavra de Deus é instrutiva para nossa vida, de maneira positiva. Ela nos adverte, mas também nos instrui. Este caso não é a exceção. Jesus advertiu e logo ensinou a forma correta de procedermos na oração. Ele passa a instruir como se deve agir quando formos orar:
“Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto e, fechada a porta, orarás a teu Pai, que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará. [...] Não vos assemelheis, pois, a eles; porque Deus, o vosso Pai, sabe o de que tendes necessidade, antes que lho peçais.” (Mateus 6.6,8)
Poderíamos dividir esta instrução nas seguintes etapas que veremos a seguir: a) o processo de exclusão; b) a percepção; e c) a confiança.

a) O processo de exclusão

Observem que a instrução para orarmos começa com uma exclusão, um afastamento de todas as coisas e de todas as pessoas para estarmos sós com Deus. Lemos em Gêneses 24.2 que Isaque se retirava a meditar ao campo; Mateus 14.22-23 nos mostra ao Senhor Jesus se afastando das multidões para orar sozinho; em Atos 10.9 lemos que Pedro também se retirou ao telhado para orar. Temos muitos exemplos bíblicos onde os servos de Deus buscavam comunhão com Ele a sós. A exclusão é essencial para uma vida de oração.
Nesses momentos a sós com Deus precisamos esquecer tudo o que está ao nosso redor. Precisamos “desligar-nos” do que acontece e de coisas que podem nos interromper. Não interprete isto como o tipo de meditação hindu, onde a pessoa tem que chegar a um estado de inconsciência. Muito pelo contrário, nesse momento precisamos ter consciência absoluta daquilo que estamos fazendo e dizendo, pois estamos em um momento de intimidade com Deus. Também não significa que vamos esquecer nossos problemas, pois muitas vezes é através da oração que trazemos diante de Deus esses problemas para suplicar a ajuda divina. O que estou dizendo é que este é o momento de exclusividade de Deus. Significa que as coisas vãs desta vida se tornam secundárias e somente vem a  toa quando queremos trazê-las em oração como pedidos ou agradecimentos a Deus. No momento de oração eu não deveria estar preocupado em como resolver um problema do trabalho ou qual será o cardápio da janta desta noite. Nesse momento a vida espiritual se deve tornar primária. A preocupação com minha alma e com a glória de Deus.
Portanto, é contra o problema de desconcentração que estamos lutando nesse momento. Este é um terrível mal de nossos dias, a dificuldade de nos concentrarmos para qualquer atividade, quanto mais ainda para a oração. Para o homem moderno, a exclusão não significa apenas entrar no seu quarto sozinho. Em nossos dias o isolamento implica também em desligar o celular, computador, telefone fixo, TV, e qualquer coisa que possa nos atrapalhar nesse momento tão precioso para nossa alma.
Ora, o que temos visto aqui não exclui as orações públicas. Não é errado orarmos em certas ocasiões em público. Há vários exemplos bíblicos de irmãos orando juntos, como em Atos 4.23-31. O Senhor Jesus também orou em público, como na oração sacerdotal de João 17. Mas nesses momentos também precisamos nos excluir, não literalmente, mas mentalmente. A nossa oração, mesmo que seja pública, deve estar dirigida a Deus e não aos ouvintes. Nossa atenção é para Ele e não naquilo para o agrado dos demais presentes.

b) A percepção

O segundo ponto colocado por Jesus é este: “orarás a teu Pai”. Esta frase tão curta contém uma profundidade enorme. Não é a qualquer um que estamos orando, mas ao Pai. Precisamos perceber que estamos diante da presença do Deus Pai Todo-poderoso, criador dos céus e da terra, dono do universo e todo-soberano. Não é brincadeira. Particularmente, tenho muita dificuldade de entender aqueles que oram com um jeito todo descolado e irreverente. Eles argumentam que temos que quebrar aquele conceito da idade média de um Deus severo. Entendo a preocupação deles, mas acredito que estejam usando o método equivocado para isso. Não encontro sequer um exemplo bíblico de tal atitude por parte dos servos mais fieis a Deus e que caminharam com uma intimidade muito mais profunda do que a nossa. Pelo contrário, todos eles, mesmo tratando Deus de Pai, sempre mostraram uma profunda reverência à santidade do Santo dos santos. Portanto, precisamos entender diante de quem estamos nesse momento tão precioso. Muitas vezes, é necessário antes de começarmos a orar relaxar uns segundos em reflexão, lembrando o que estamos por fazer e diante de Quem estamos por nos apresentar.
Por outro lado, também devemos notar que oraremos “ao Pai”. Os judeus não estavam acostumados a tratar Deus com tal intimidade de maneira de chama-lo de Pai. Mas fomos adotados por meio do seu Espírito Santo, de maneira que clamamos “Aba Pai”. Esta expressão usada por Paulo em Romanos 8.15 é um termo aramaico informal para pai que transmite um sentido de intimidade. É para esse Pai que estamos orando. Consequentemente, podemos falar com Ele com sinceridade e simplicidade. Podemos ter nEle confiança e contar-lhe todas as nossas preocupações. Podemos manifestar-lhe todo o nosso amor e gratidão. Quer dizer que podemos trata-lo como a um verdadeiro pai, com todo o nosso amor e toda a nossa reverência e respeito.

c) A confiança

O último ponto que Jesus coloca é a confiança que podemos ter no Pai quando oramos a Ele: “e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará” e “o vosso Pai, sabe o de que tendes necessidade, antes que lho peçais”.  Ele nos vê e nos ouve. E ele se agrada em nos responder. A nossa confiança é esta: saber que ele está presente, que ele nos vê em secreto e que ele sabe o que precisamos antes que lhe peçamos. Ele nos ama e quer nos dar o melhor. Esta é uma grande confiança para o cristão, mesmo no meio dos sofrimentos.
Ora, para que devemos orar se ele já sabe tudo antes de que peçamos? A.W.Pink[1] coloca vários motivos para a oração diante da soberania de Deus. Esses pontos são: 1) A oração é em primeiro lugar para que Ele seja honrado, adorado e glorificado, não para os nossos pedidos; 2) A oração é para que sejamos humilhados e aprendamos a depender de Deus. É como um pai terreno que sabe o que seu filho precisa, mas espera que este o peça para que aprenda a valorozar o recebido e também para que aprenda a ser respeitoso e humilde. Os incrédulos não se agradam com a ideia de termos que depender de um Deus em todas as coisas e de termos que pedir cada coisa a um Deus como se ainda fossemos crianças. Mas o cristão tem prazer em fazê-lo, pois é nisso que descansamos, em saber que tudo recebemos dEle e que ele conhece todas as nossas necessidades. Não dependemos dos nossos próprios esforços, mas das dádivas do Pai. Isto implica no último ponto: 3) A oração é para que nos deleitemos nEle. Você já não se alegrou em ver uma oração sua respondida, uma necessidade atendida, uma benção recebida? Isso produz deleite e prazer no coração do cristão.
Então, não esqueçamos que além dessas benções que podemos receber já no fato de estarmos orando, a Palavra nos diz que “teu Pai que está em secreto te recompensará”. Deus se agrada daqueles que o buscam em secreto, longe da glória deste mundo, longe dos olhos dos demais. Ele se agrada nisso e recompensará o crente que viver uma vida de oração silenciosa e secreta diante do Pai.

Considerações finais

Após todas estas considerações práticas baseadas nas instruções de Jesus pouco nos resta para dizer. Na verdade apenas nos resta uma profunda autoavaliação sincera e nos perguntarmos: como tem sido a minha vida de oração? Tenho buscado a glória dos homens através das minhas orações? Tenho sido descuidado com minha vida de oração? Tenho comunicação com Deus em oração? Sou salvo em Cristo para poder orar a Deus e tratá-lo como Pai? A minha oração pode ser recebida diante de Deus pela obra de Cristo na cruz por mim?
Se alguma dessas perguntas tiver uma resposta negativa, considere aquilo que foi dito aqui e arrependa-se. Venha a Cristo, tome a sua cruz e siga-o. Somente nEle podemos ter acesso ao Pai e trata-lo com carinho, dizendo “Aba Pai”! Que Deus nos abençoe!


[1] A.W.Pink. “Deus é soberano”. São José dos Campos: Editora Fiel.