pela graça de Deus retornamos com os estudos no Sermão do Monte, após quase um ano de viagens e outras atividades que nos impediram continuar o mesmo. Neste post estamos inagurando a terceira parte do sermão, que trata sobre a prática da justiça de Deus nas nossas vidas cristãs.
Esperamos que sirva para a sua edificação!
Em Cristo,
BBVC
PS: Caso você deseje visualizar o estudo em pdf., clique aqui.
Capítulo XXIII
A justiça na vida prática do cristão
Alejandro G. Frank
Introdução
Estamos começando uma nova parte do Sermão do Monte.
Trata-se da terceira parte, que se encontra no capítulo 6 de Mateus. Esta nova
seção aborda um novo aspecto do tema central de todo o sermão do Senhor Jesus:
a justiça dos homens frente à justiça de Deus. O tema sobre a justiça permeia
de ponta a ponta o Sermão do Monte e o Senhor esgota este assunto ensinando
sobre todas as perspectivas possíveis. Assim, por exemplo, tínhamos explicado
que o ponto central que define o contexto da pregação de Jesus encontra-se em
Mateus 5.20: “Porque vos digo que, se a
vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis
no reino dos céus”. Após o Senhor ter apresentado este princípio sobre como
deve ser a nossa justiça, ele desdobra o mesmo em vários exemplos práticos (Mateus
5.21-48). Na próxima seção, que abordaremos a partir de hoje, acontece algo
similar, pois o Senhor apresenta o conceito da justiça de outra perspectiva: “Guardai-vos de exercer a vossa justiça
diante dos homens, com o fim de serdes vistos por eles; doutra sorte, não
tereis galardão junto de vosso Pai celeste” (Mateus 6.1). Após esta
afirmação, Jesus desenvolve os exemplos práticos do que isto significa (veja Mateus
6.2-34). Por fim, a última grande seção do Sermão do Monte se apresenta mais
uma vez com o mesmo tema desde mais uma perspectiva: “Não julgueis, para que não sejais julgados. Pois, com o critério com
que julgardes, sereis julgados; e, com a medida com que tiverdes medido vos
medirão também” (Mateus 7.1-2). Tudo que vier após esta última afirmação é
o desenvolvimento deste princípio.
Considerando todos esses princípios apresentados acima,
vemos que Jesus ensina primeiro o que o
crente de fato é (nas bem-aventuranças de Mateus 5.1-16), depois ele
explica como deve ser a atitude do
crente diante da justiça de Deus, considerando a relação da justiça com a Lei
de Deus na sua essência (Mateus 5.17-48), e nesta nova seção ele entrará em
mais um assunto: como o crente deve praticar
a justiça de Deus na sua vida. Consegue enxergar quão importante é aos olhos de
Jesus o assunto da justiça na vida dos seus discípulos? Todo o sermão do monte
é focado em diferentes aspectos da justiça. Claro que esta grande preocupação
deve-se, em primeiro lugar, ao próprio contexto daquela época, dominada por
mestres religiosos que mostravam uma falsa aparência de justiça e piedade, algo
meramente exterior. Contudo, podemos estender esta preocupação do Senhor à
realidade religiosa de todos os tempos. Por acaso não é o maior problema de
toda religião o fato do homem buscar obter uma mera aparência externa de
justiça diante dos homens (e talvez até diante de Deus)? Parece ser que os
homens acham nas religiões um senso de justiça própria suficiente para
tranquiliza-los a respeito da salvação eterna das suas almas. Por este motivo,
o Senhor Jesus traz aqui o verdadeiro significado da justiça e da sua aplicação
na vida prática.
Análise do princípio da terceira parte do Sermão do Monte
Vejamos então o princípio colocado nesta nova seção do
sermão de Jesus, que se encontra no seguinte texto:
“Guardai-vos
de exercer a vossa justiça diante dos homens, com o fim de serdes vistos por
eles; doutra sorte, não tereis galardão junto de vosso Pai celeste” (Mateus
6.1).
Embora este princípio seja apresentado de uma maneira
negativa (por ex.: guardai-vos; não tereis...), ele traz um ensinamento
totalmente positivo, pois trata sobre como praticar a justiça de Deus para
sermos realmente agradáveis a Ele antes que aos homens. Não estamos falando
aqui de boas obras para a salvação. Já temos visto em estudos anteriores que o
Senhor Jesus está se dirigindo a seus discípulos e não a ímpios. A prática da
justiça que o Senhor ensina aqui é o resultado daquilo que já somos no
interior, como descrito nas bem-aventuranças do capítulo 5. O Senhor Jesus nos
descreve a externalização do nosso relacionamento com o Pai, como filhos dele.
Além disso, este ensinamento também ataca fortemente às falsas aparências
religiosas, algo muito comum entre os fariseus da época de Jesus e também muito
comum hoje na vida das pessoas. Temos em nossos dias muitas pessoas que se
enganam a si mesmas por acreditarem que estão em Cristo, salvas, só pelo fato
de realizarem esta ou aquela atividade na igreja, por exemplo. Para estes o
ensinamento é também muito importante, pois nos leva à autoavaliação das nossas
atitudes diante de Deus e diante dos homens.
Tendo dito isto, consideremos agora os detalhes do texto de
Mateus 6.1. Do mesmo, podemos extrair três grandes pontos que trataremos na
sequência: (i) uma advertência; (ii) um propósito errado; (iii) a consequência.
A- Uma advertência
Observem que o Senhor começa este princípio com uma forte
advertência. Ele diz: “guardai-vos” ou, em outras palavras, ‘cuidem-se’,
‘evitem a todo preço’. É dizer que o princípio começa com um tom de
advertência. Antes deste princípio Jesus tinha falado sobre como devemos viver
o verdadeiro espírito da Lei de Deus (capítulo 5.17-48). Mas agora, ao levarmos
a aplicação da justiça à vida prática, ele nos adverte de sermos cuidadosos.
Isto tem sido muitas vezes mal interpretado ao longo da história da Igreja. Por
exemplo, tem havido épocas do cristianismo onde surgiram pessoas que, por
quererem viver uma vida santa e justa diante de Deus e para não serem vistos
diante dos homens (tentando seguir de uma maneira equivocada este texto), se
isolaram da sociedade, tornando-se monges eremitas. Contudo, não é isso o que
Jesus está nos ensinando. Basta somente considerarmos um capítulo antes no
Sermão do Monte e poderemos ver incentivos tais como: “vos sois o sal da terra”
(Mateus 5.13) ou “vos sois a luz do mundo” (Mateus 5.14a), e mais ainda, Jesus
enfatiza: “Não se pode esconder uma
cidade situada sobre um monte; nem os que acendem uma candeia a colocam debaixo
do alqueire, mas no velador, e assim ilumina a todos que estão na casa. Assim
resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras,
e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus” (Mateus 5.14b-15). Como
aplicaríamos tais incentivos a uma vida isolada da sociedade? É impossível.
A Bíblia nos exorta de fazermos diferença no mundo. A Igreja
por si só não precisa iluminar-se, pois ela já tem Cristo, a sua luz, mas ela
precisa iluminar aos outros, levar a luz de Cristo. O mesmo problema daqueles
eremitas pode ser visto de uma forma mais leve, mas ainda presente, nas
próprias igrejas de hoje. Refiro-me a pessoas que têm levado a questão da
justiça ao ponto de nem falarem ou se relacionarem com pessoas que não são
cristãs. Mas como é que poderemos mostrar as nossas boas obras diante das
pessoas não convertidas para que glorifiquem a Deus e se arrependam de suas
vidas? Portanto, não é isto o que o Senhor está querendo nos dizer com este
princípio. Assim sendo, surge a questão: do que devemos nos guardar?
B- Um propósito errado
Consideremos agora o sentido correto do ensinamento de
Jesus: “Guardai-vos de exercer a vossa
justiça diante dos homens, com o fim de serdes vistos por eles”. O Senhor
Jesus não disse que não devemos fazer justiça e viver na justiça de Deus diante
dos homens. Pelo contrário, ele tem enfatizado a mostrarmos a nossa luz diante
dos homens. Mas o ponto importante que Jesus destaca aqui é o motivo que nos
leva a querermos mostrar a justiça diante dos homens: “com o fim de serdes vistos por eles”. Este é o problema, é o motivo
pelo qual o fazemos.
Em toda esta parte do sermão (capítulo 6, versos 2-18),
Jesus ensinará que o problema da vida religiosa é praticar obras de justiça com
uma motivação errada. Com isto podemos observar a abrangência do pecado que
habita no coração do ser humano, pois é o homem que corrompe com seu pecado até
os instrumentos mais santos oferecidos por Deus para termos comunhão com ele.
Vejam os exemplos que Jesus nos dá na sequência do capítulo 6, após apresentar
o sentido geral do ensino, ele exemplifica com atos tais como dar esmolas, orar
e jejuar. Todas estas são práticas que a própria Bíblia nos ensina a
desenvolver. Porém, facilmente podemos praticá-las para sermos vistos diante
dos homens, para obtermos os seus elogios e aplausos. Assim sendo, acabamos
roubando a glória do único que merece toda a glória e honra, isto é, do Pai que
está nos céus.
Por exemplo, tomemos o caso dos fariseus. Eles eram homens
que tomavam a instrução do jejum na Lei do Antigo Testamento, a qual era
indicada para ser praticada duas vezes ao ano e a levavam ao extremo da
piedade, praticando-a duas vezes na semana. Ora, era isto piedoso aos olhos de
Deus? É claro que não era, pois o próprio Jesus repreendeu esta atitude. O
problema não é o jejum em si, mas a exposição pública que eles faziam da suas
obras de justiça. Quer dizer que eles se orgulhavam no que faziam e se
preocupavam por serem visto diante dos homens, para serem glorificados por
estes. Eles eram admirados pelos homens. As pessoas elogiavam sua
religiosidade, sua piedade, sua justiça. Porém, o Senhor Deus desprezava esta
atitude.
Muitos exemplos similares aos dos fariseus podemos também
encontrar em nossas igrejas (e principalmente em nossas próprias vidas) nos
dias de hoje. Por exemplo, como você se sente quando realiza um trabalho na
obra de Deus, tal como um serviço na igreja, um estudo bíblico ou qualquer
outra atividade, e as pessoas não estimam seu esforço? Talvez você espere
receber um elogio e somente recebe críticas. Como você se sente nessa hora? Há
uma tristeza pelo estado das pessoas que o criticam ou você sente tristeza por
você mesmo, sentindo autocomiseração? Se o segundo for o seu sentimento,
certamente você está buscando a glória dos homens “com o fim de serdes vistos por eles”. Isto é uma tentação muito
forte para quem exerce alguma liderança no meio do povo de Deus, seja na
pregação e pastoreio da congregação, na ministração de estudos bíblicos ou na
liderança de grupos tais como o de jovens ou de louvor. Em todas essas
posições, muitas vezes os líderes se desanimam, e não por causa do estado das
almas das pessoas, mas por causa de não serem reconhecidos por elas. Um
pregador pode pregar do púlpito esperando ser elogiado pela sua poderosa
capacidade de expor a Palavra. Um jovem líder pode esperar ser elogiado pela
sua capacidade de conduzir todo o grupo de jovens. Um mestre pode esperar o
reconhecimento da qualidade das suas aulas. Um ministro de louvor pode esperar
a glória dos homens pela qualidade da sua voz e música. Vaidade, mais vaidade e
pura vaidade. É falta de discernimento e de compreensão acerca da grande
responsabilidade que nos foi dada diante do Senhor e que a exercemos por pura
misericórdia dele, pois o fazemos de maneira tão imperfeita que se Ele nos
pedisse contas sairíamos fugindo dele envergonhados. Por este motivo o Senhor
Jesus nos exorta: “Guardai-vos de exercer
a vossa justiça diante dos homens, com o fim de serdes vistos por eles”.
A mesma advertência é válida para qualquer área da nossa
vida fora da igreja. Por exemplo, uma obra de bem feita para alguém pode ter
por trás a propósito de sermos reconhecidos como caritativos. Outro exemplo que
já vi é o de pessoas que se vangloriam de terem levado um certo número de
pessoas à suas igrejas, como se esta glória fosse delas. Não está demais
acrescentar que nos casos que eu conheci a motivação errada no convite também
levou a utilizar o método errado. Essas pessoas que se vangloriavam utilizavam
qualquer meio para incentivar seus convidados a participarem, tais como dizer: “a
minha igreja é muito legal e divertida, lá não falam nada que possa te ofender,
lá somente tem coisas boas que vão te fazer sentir melhor, etc., etc.” São
meias verdades que não tem o propósito de levar o pecador ao arrependimento,
mas apenas exaltar a glória humana de se ter muitas pessoas na igreja ou de
sermos os que mais pessoas trouxemos para a igreja (embora não para Cristo).
Quanta vaidade há no coração do homem, em todas as áreas da sua vida! Quantas
coisas realizamos ou falamos com o fim de sermos vistos e reconhecidos diante
dos outros!
Assim sendo, esta advertência de Jesus deve nos levar a nos
autoexaminar e nos questionar qual é o verdadeiro motivo pelo qual fazemos
qualquer obra de justiça. Lembre-se disto: é o motivo a cerne do problema, não
a obra de justiça em si mesma. É o coração do homem o que está errado, como
disse Jeremias: “Enganoso é o coração,
mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto; quem o conhecerá?” (Jeremias
17.9). Como conheceremos as nossas intenções se facilmente podemos nos enganar
buscando a glória dos homens ao invés da glória de Cristo? Quem conhecerá o
nosso coração e as suas intenções? Como evitar nos enganarmos a nós mesmos? A
resposta vem no seguinte verso de Jeremias: “Eu,
o SENHOR, esquadrinho o coração, eu provo os pensamentos; e isto para dar a
cada um segundo o seu proceder, segundo o fruto das suas ações” (Jeremias
17.10). O Senhor é quem conhece o nosso coração e as nossas verdadeiras
intenções. É por isso que deveríamos nos prostrar constantemente diante do
Senhor e orar como Davi:
“SENHOR, tu
me sondas e me conheces. Sabes quando me assento e quando me levanto; de longe
penetras os meus pensamentos. Esquadrinhas o meu andar e o meu deitar e
conheces todos os meus caminhos. Ainda a palavra me não chegou à língua, e tu,
SENHOR, já a conheces toda.” [...] “Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração,
prova-me e conhece os meus pensamentos; vê se há em mim algum caminho mau e
guia-me pelo caminho eterno.” (Salmos 139.1-4, 23-24)
C- A consequência desta atitude
Temos mais um ponto que precisamos considerar deste
princípio fundamental lançado por Jesus. Trata-se da consequência desta forma
errada de tratar a justiça de Deus. Consideremos o texto em questão: “doutra sorte, não tereis galardão junto de
vosso Pai celeste” (Mateus 6.1).Isto é a consequência de vivermos em base à
motivação errada, podemos ser privados do grande galardão nos céus. Observem
que há também um aspecto positivo neste princípio, pois se vivemos uma vida
justa diante dos olhos de Deus, preocupados em agradarmos a ele e não aos
homens, seremos recompensados nos céus. O Senhor recalca isto no final de cada
aplicação prática, após falar das esmolas, da oração e do jejum, dizendo: “... e teu Pai, que vê em secreto, te
recompensará” (Mateus 6.4 e 18).
Muitas vezes escutamos pessoas cristãs dizendo que a vida
cristã deve ser vivida por altruísmo, sem pretender alcançar nada, apenas por
gratidão. Há algo de verdade na intenção que estas pessoas têm quando dizem
isto. Há por trás de tal afirmação certa preocupação de não vivermos esta vida
achando que “merecemos” algum tipo de recompensa. Porém, não é exatamente isto
o que as Escrituras nos ensinam. Veja bem, a única coisa que a Bíblia nos
encoraja a desejarmos para nós mesmos é o grande galardão nos céus. Nós devemos
almejar esse galardão, ele deve ser a nossa motivação e esperança. O autor aos
Hebreus exalta isto como encorajamento aos judeus que tinham se convertido a
Cristo e estavam sendo perseguidos (Hebreus 12). Pedro também ressalta isto ao
longo da sua primeira epístola, quando tenta encorajar aos crentes dispersos
após as perseguições sofridas. É o galardão o nosso alvo. Ora, você poderia me
dizer que isto tira o foco de Cristo. Mas eu lhe digo que está enganado, pois
veja como o Senhor coloca o princípio: “doutra
sorte, não tereis galardão junto de vosso Pai celeste” (Mateus 6.1). O
Senhor diz “junto de vosso Pai”. O
galardão que nos espera está no próprio coração de Deus, é a própria presença
de Deus e de Cristo de maneira perfeita conosco para todo sempre! Claro que a
Bíblia nos fala de outras promessas para a eternidade (que já as abordamos no
Capítulo XXI). Porém, o nosso maior galardão é estarmos junto ao nosso Pai, na
sua presença, gozando de comunhão perfeita com Ele. É isto o que devemos almejar
de todo o nosso coração e com toda a nossa alma.
Com isto, o Senhor está advertindo que, aqueles que desejam
da glória e da honra dos homens, sendo bajulados pelos mesmos, já têm a sua
recompensa nesta terra. Nada mais há que lhes espera. Não terão galardão nos
céus. Não parece irônico que aqueles que buscam a glória e honra nesta vida são
os mesmos que sofrerão, no final, a vergonha eterna? Oh quanta vaidade há no
coração do ser humano! Quanta tolice! Por este motivo, todos nós,
principalmente aqueles que estamos mais expostos aos olhares dos homens, quer
por meio de ministérios, lideranças, etc., deveríamos ter o mesmo pensamento
que o apóstolo Paulo teve: “Porventura,
procuro eu, agora, o favor dos homens ou o de Deus? Ou procuro agradar a
homens? Se agradasse ainda a homens, não seria servo de Cristo (Gálatas 1.10)”.
E a mesma atitude todos os que são servos devem ter: “Servos, obedecei em tudo ao vosso senhor segundo a carne, não servindo
apenas sob vigilância, visando tão-somente agradar homens, mas em singeleza de
coração, temendo ao Senhor” (Colossenses 3.22). Nestes ensinamentos jaz o
mesmo princípio que Jesus traz no capítulo 6 do Sermão do Monte: que é Deus
quem nos vê o tempo todo, que é Ele, o Pai, quem nos recompensará, e que não
precisamos buscar a glória dos homens, pois é Ele quem deve ser glorificado e
também é Ele quem nos glorificará no Dia Final, é o “teu Pai que te vê em secreto...” quem te recompensará.
Análise da estrutura do sermão após o princípio apresentado
O princípio que estamos considerando aqui a respeito das
aparências de justiça em contraste com a verdadeira justiça diante de Deus
(Mateus 6.1) é desdobrado em duas partes, através das quais o Senhor Jesus
exemplifica a sua aplicação na vida cristã. Uma parte trata sobre a nossa vida
religiosa com Deus e diante dos homens; a outra trata sobre a nossa vida
cotidiana com os homens, e diante de Deus. Ambas apresentam aspectos da nossa
vida em que podemos cair em um falso conceito de justiça própria. Portanto, o
Senhor nos traz um equilíbrio sobre as mesmas.
A seguir explicaremos esta estrutura brevemente e, nos
capítulos subsequentes o desdobraremos em maiores detalhes.
D- Parte 1: A totalidade da vida religiosa vivendo a prática da justiça
A primeira dessas partes que considera a aplicação prática
do princípio apresenta-se nos versos 2 a 18. Neles podemos encontrar os
aspectos da vida religiosa do crente e como ele se relaciona com seu Senhor
através dos mesmos. Isto envolve três formas de piedade ou justiça meramente
ilustrativas, mas que abrangem os aspectos mais gerais da vida cristã:
a) As esmolas
(Mateus 6.2-4): Através disto o Senhor Jesus ilustra como devemos honrar a Deus
com nossos bens e através do trato ao próximo;
b) A oração
(Mateus 6.5-14): Através disto o Senhor Jesus ilustra como devemos honrar a
Deus com nossas almas;
c) O jejum
(Mateus 6.16-18): Através disto Jesus ilustra como devemos honrar a Deus com
nossos corpos.
Com estes três aspectos, as maiores áreas do relacionamento
do crente com Deus são exemplificadas, mostrando-se a forma em que podemos
encarar equivocadamente estas práticas para agradarmos apenas aos homens e não
a Deus. Note também a principal ênfase que Jesus dá ao aspecto da oração, uma
vez que este ponto é bem mais extenso do que os outros dois, sendo
exemplificado em detalhes maiores sobre o como proceder corretamente. Ora,
vocês poderiam se perguntar se ao tratarmos a prática religiosa nas nossas
vidas não deveríamos colocar a leitura das Escrituras como mais um ponto desses
três exemplificados por Jesus. Contudo, lembrem em primeiro lugar, que estes
pontos são apenas ilustrativos dos princípios que estão por trás dos mesmos. O
estudo da Bíblia pode ser considerado no ponto (b), pois forma parte da maneira
em que investimos na nossa alma, e consequentemente honrando a Deus. Além
disso, eu diria que oração e meditação na Palavra de Deus são uma unidade que
nós facilmente tendemos a desassociar. Isto é um grave erro, pois é assim que
muitos acadêmicos tem caído em um mero intelectualismo bíblico que longe está
da prática da verdadeira justiça. Por acaso, não é este um dos fatais erros dos
próprios fariseus? Eles eram intelectuais, mas não espirituais. A Bíblia nos
ensina que o entendimento das Escrituras vem somente através da iluminação que
o Espírito Santo nos dá. É por isso que Davi orou: “Desvenda os meus olhos, para que eu contemple as maravilhas da tua
lei” (Salmo 119.8). É com o mesmo espírito que nós deveríamos ler a Lei do
Senhor, com oração e súplicas para podermos entendê-la e ouvir a voz do Senhor.
E- Parte 2: A totalidade da vida cotidiana vivendo com justiça
Por outro lado, o Senhor Jesus apresenta uma segunda parte
referente ao princípio de Mateus 6.1. Essa segunda parte está contida nos
versos 19 a 34. Nesses versos podemos encontrar aspectos da vida cotidiana do
crente e como, através dos mesmos, o crente se relaciona com seu Senhor. Nos
mesmos podemos encontrar os seguintes pontos:
a) Contraste
entre os tesouros acumulados (Mateus 6.19-21): Através disto o Senhor Jesus
ilustra qual deve ser o foco principal da nossa vida e no que investimos os
nossos esforços para viver piedosamente.
b) Contraste
entre luz e trevas (Mateus 6.22-23): Jesus ilustra como devemos viver a vida
com discernimento e as consequências que isto trará para nossa justiça.
c) Contraste
entre dois senhores (Mateus 6.24): Jesus ilustra a incompatibilidade entre
servirmos a Deus e aos nossos próprios interesses.
d) Contraste
entre a paz e as preocupações (Mateus 6.25-34): neste ponto o Senhor Jesus
amplia os resultados de vivermos para Deus ou para nossos próprios interesses,
mostrando qual é o verdadeiro alvo que devemos perseguir: “buscai, em primeiro
lugar, o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão
acrescentadas” (v.33).
F- Observações sobre ambas as partes desta seção
Ao longo das diferentes aplicações práticas que o Senhor
Jesus apresenta em todo o capítulo 6, podemos perceber que ele traz reiteradas
vezes a referência do Pai, como quem está presente em todas essas situações.
Mais do que isso, Jesus enfatiza várias vezes que o nosso Pai está em secreto,
nos vendo nos momentos mais íntimos da nossa vida (ex.: versos 6.4, 6.6, 6.18).
Através disto, Jesus está enfatizando que o crente vive a sua vida cristã,
tanto religiosa como cotidiana, sempre diante da presença do Pai. É o Pai que
nos vê em secreto quando oramos longe da vista dos homens, é o Pai que
considera nossas esmolas e o nosso jejum quando ninguém mais o sabe. É também o
Pai diante do qual pedimos nas nossas orações e é Ele quem sabe todas as coisas
das quais temos necessidades. Eis aqui uma ênfase que Jesus está dando no seu
ensinamento: estamos constantemente diante da presença de Deus. Se tivermos
consciência disto, certamente a nossa vida caminharia na verdadeira justiça e
piedade, no caminho da santidade, pois seria o temor de Deus o que encheria de
sabedoria nossas vidas. Não é por acaso a falta dessa percepção que nos leva
muitas vezes a nos sentirmos pouco reconhecidos, pouco valorizados diante dos
homens? É a falta de percepção de que Deus está vendo todas as coisas e todas
nossas obras que nos leva a nos sentirmos desmotivados quando alguém não nos dá
o devido reconhecimento que nós esperamos ter. Porém, é precisamente isso que o
Senhor Jesus aponta quando diz: “Guardai-vos
de exercer a vossa justiça diante dos homes com o fim de seres vistos por eles...”.
Considerações finais
Resumindo o que aprendemos, o Senhor nos exorta a buscarmos
a justiça verdadeira, aquela que se interessa apenas por agradar a Deus e não
aos homens, custe o que custar. É para esse tipo de pessoas, os verdadeiros
adoradores, os que O adoram em Espírito e em verdade, que está guardado um
grande galardão nos céus. Também, vimos que as nossas melhores obras de justiça
podem estar sendo movidas por uma motivação completamente errada e pecaminosa,
centrada em nós e não na glória de Deus, e contra isto devemos combater.
Finalmente, somente nos resta chegarmos ao Senhor em humilde
oração e perguntar: “Senhor, há no meu coração alguma motivação que não seja
certa na vida cristã que eu estou levando? Tira de mim todo orgulho próprio,
toda arrogância e pretensão de ser honrado pelos homens e não por ti. Faz com
que os homens possam ver somente a tua glória na minha vida e que eles
glorifiquem o teu nome e não a mim”. Como disse o salmista na sua oração: “não a nós, senhor, não a nós,
mas ao teu nome dá glória, por amor da tua misericórdia e da tua fidelidade”
(Salmos 115.1).
Soli Deo Gloria!